Tancos esteve 20 horas sem rondas de vigilância na noite do assalto

Três paióis com o material mais relevante foram assaltados. Os restantes ficaram intactos. Investigação judicial decorre sob a direcção da procuradora da República no DIAP de Lisboa.

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O roubo de armas de guerra em Tancos já levou à demissão de cinco comandantes do Exército David Clifford (arquivo)

Vários militares já foram inquiridos desde quarta-feira nas instalações de Tancos, onde o perímetro que circunda as unidades ficou sem a habitual vigilância das rondas feitas por militares da base na noite de terça para quarta-feira, quando se deu o assalto. Dentro das instalações estão quase 20 paióis e apenas três foram assaltados, precisamente aqueles que tinham material relevante. Os restantes, alguns vazios, outros com pouco material, ficaram intactos.

A investigação judicial está a cargo da Polícia Judiciária Militar (PJM) e da Unidade de Contraterrorismo e Crime Organizado da Polícia Judiciária (PJ), sob a direcção da procuradora da República Josefina Escolástica, e decorre no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa.

Na noite de terça-feira, a última ronda de vigilância realizou-se às 20h e só por volta das 16h de quarta-feira foi feita uma nova ronda. Assim, além de o sistema de videovigilância estar inoperacional há pelo menos dois anos e de a vedação estar danificada, as unidades onde se encontram os quase 20 paióis de material bélico ficaram sem a habitual vigilância de militares durante quase 20 horas.

A segurança é tripartida: as rondas são efectuadas rotativamente por unidades presentes em Tancos — como o Regimento de Engenharia n.º 1, a Brigada de Reacção Rápida e a Escola de Tropas Paraquedistas. “Para a dimensão de Portugal, foi grave”, diz fonte militar que considera ser “impossível” não ter havido uma colaboração de elementos do interior neste assalto.

O mesmo entendimento tem o ex-presidente e membro do conselho consultivo do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), José Manuel Anes. “Foi um golpe muito bem planeado e com colaboração interna, de militares, porque um assalto destes necessita de informação sobre as fragilidades do sistema, do arame farpado, da videovigilância e de alguém que conhece bem os paióis onde estavam as armas roubadas”, explica.

Entre o material estavam granadas ofensivas, lança-granadas foguete LAW, com potência para deitarem abaixo helicópteros em conflitos ou arrombarem em assaltos carrinhas blindadas de transporte de valores. Entre os itens roubados estariam também, de acordo com o Correio da Manhã, 57 quilos de explosivo plástico PE4A, normalmente usado em demolições e já identificado em atentados terroristas em países como o Afeganistão, o Iraque ou o Líbano.

O Exército informou, através de um comunicado divulgado ontem à noite, que já foram tomadas medidas como o aumento do número de militares envolvidos na segurança física das instalações e o aumento da frequência das rondas móveis motorizadas e apeadas. O gabinete de relações públicas do Exército anunciou ainda a abertura pela Inspecção-Geral do Exército de uma inspecção de segurança aos Paióis Nacionais de Tancos e aos de Santa Margarida.

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Armas para furar embargos

O PÚBLICO tentou saber junto da secretária-geral do Sistema de Segurança Interna, Helena Fazenda, se Portugal reforçou o alerta de ameaça terrorista. Sem sucesso até ao fecho desta edição. De acordo com o Ministério da Administração Interna, “cabe aos serviços de informações a avaliação do nível de ameaça”.

“Não é apenas o fenómeno terrorista que nos deve preocupar", diz José Manuel Anes. "Sabemos bem que o terrorismo já faz mortes com arma branca ou com viaturas pesadas avançando sobre as pessoas. Isto é um upgrade de que eles não precisam actualmente e que custa bastante dinheiro."

O ministro da Defesa Nacional, José Azeredo Lopes, disse ontem que o material “estará agora a tentar entrar no mercado ilícito de tráfico de armas que podem servir depois para os mais diferentes fins”. Um deles, o terrorismo. Mas não o único.

Tendo em conta a natureza do armamento roubado, extremamente potente, José Manuel Anes coloca como plausível — além da possibilidade de o armamento ser usado em assaltos ou acções de criminalidade violenta — outra hipótese: a de ser “encaminhado através de uma venda ilícita a países sujeitos a um bloqueio” de compra de armas.

“Se falamos de munições, isso ainda pode abastecer o mercado nacional”, continua. “As granadas ofensivas são para operações militares em conflitos ou para crime organizado muito violento. [Neste assalto] aquilo que é mais problemático é o lança-granadas foguete, [que atinge] veículos blindados, casas, quartéis e é lançado através daqueles lançadores que se põem ao ombro e que depois vão disparando as granadas.”

Nessa noite, foram roubados 44 lança-granadas foguete de Tancos, conhecido como a “reserva estratégica” do Exército. Como foi possível uma operação com esta dimensão? “O mais importante é tirar o material dos paióis. Se o arame farpado está realmente comprometido, bastava ter ali uma viatura preparada” para o transporte ser feito, diz José Manuel Anes. “É absolutamente inacreditável, é gravíssimo. A NATO deve estar nervosa. E a Europol está em alerta.”

GNR e SEF no terreno

Os Núcleos de Investigação Criminal (NIC) da GNR da região da freguesia de Tancos foram chamados pela PJM para colaborarem no terreno na recolha de informação, bem como elementos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), junto às fronteiras, porque embora prevaleça a tese de que o material foi logo transportado para fora de Portugal, os cúmplices e autores do assalto podem ter deixadas pistas.

No momento em que se descobriu que os paióis tinham sido assaltados, foi dada ordem para fechar o perímetro e para ninguém sair da unidade de Tancos. Todas as viaturas foram inspeccionadas por cães da Guarda Nacional Republicana (GNR) treinados para detectarem vestígios de explosivos.

A lista de cada peça do material em falta, com os respectivos números identificativos, elaborada pelos investigadores da PJM, foi distribuída a autoridades policiais europeias, como a Europol. Se algum desse material for apreendido pelas autoridades de algum país pode ser identificado.

Num outro caso de furto de armas, mas numa outra dimensão, no início deste ano, Espanha alertou Portugal quando detectou, numa operação, três armas de fogo em Ceuta que, como veio a verificar-se, faziam parte do lote de 57 pistolas que tinham sido roubadas de uma arrecadação da Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP), em Lisboa. Uma dessas armas também foi apreendida numa operação policial contra um suspeito de tráfico de droga.

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