O artista que pintou o mural de Maradona não é adepto de futebol: “É só mais uma cara”

O graffito Deus Humano, que ocupa uma parede de dez andares na cidade italiana, agrada tanto aos napolitanos que até convidam Jorit Agoch, o graffiter, para comer nas suas casas. A antiga estrela argentina escreveu uma mensagem a agradecer.

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Maradona agradeceu a Jorit pelo seu trabalho LUSA/CESARE ABBATE

Jorit Agoch pintou no bairro San Giovanni a Teduccio, em Nápoles, um mural que correu o mundo: Deus humano. O trabalho demorou à volta de 20 dias para terminar e retrata o rosto de Maradona, uma figura venerada nesta cidade do Sul de Itália desde que ali chegou, em meados dos anos 1980, para jogar pela equipa local de futebol — e conquistar o primeiro do título de campeão nacional do clube. O graffiter confessa, no entanto, que não é adepto de futebol e diz que não houve uma razão especial para a escolha do retrato do antigo 10 argentino: “É só mais uma cara. Eu gosto de pintar caras porque gosto do que significa. Mas as pessoas reagem mais se for alguém conhecido”.

O mural de Maradona foi pintado num edifício público, explica Jorit Agoch ao PÚBLICO por telefone, cerca de uma semana depois de a obra ter sido concluída. Teve de pedir permissão para pintar — mas essa não foi a maior dificuldade que teve. “Eu nunca tinha feito algo como isto, que ocupa dez andares. O máximo que tinha feito antes tinha sido quatro andares”, diz. O graffiter conta que a reacção das pessoas foi unânime, recordando um episódio: “Toda a gente do sítio [San Giovanni a Teduccio] adora. Uma das famílias mandava-me SMS muitas vezes para eu ir comer a casa deles”.

E a reacção da pessoa retratada no gigante mural? “Ele [Maradona] escreveu no Facebook que gostava do graffito. Fico feliz por isso”, responde.

Para Jorit, as caras pintadas “são como um totem”. É assim que justifica a razão de a maior parte do seu trabalho se resumir a rostos de pessoas. “As caras, para mim, são o que melhor representa aquilo que penso sobre o meu trabalho”, conta. O italiano diz que “quanto mais tempo e energia dispensa a pintar caras, mais poderoso o trabalho se torna”. É um “poder” que o graffiter pensa que as pessoas sentem e que tem um nome: “Eu acho que posso chamar a isso poder humano. Tu vês alguém e sentes alguma coisa. Tu podias ser essa pessoa, também”. Além de caras conhecidas, Jorit Agoch também pinta caras de pessoas “normais” — o artista quer que o público perceba que todas são iguais.

Mural de Maradona em Nápoles EPA/CESARE ABBATE
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Mural de Maradona em Nápoles EPA/CESARE ABBATE

Apesar de se basear na sua maioria em rostos reais, o seu trabalho não tem que necessariamente ser 100% fiel à realidade, nota o italiano, embora tente que o seja tanto quanto possível. “Nós [graffiters] não precisamos [que o nosso trabalho seja uma reprodução exacta da realidade]. Tens a fotografia que representa melhor que a pintura. Com a pintura é uma experiência”. Experiência que passa pela interpretação do artista. “Tenta-se perceber o que se vê à nossa volta. E fazemos alguma coisa com o que vemos”.

Jorit Agoch considera também que não vale a pena reproduzir a realidade porque ela é “diferente entre nós”, mas que mesmo assim podemos percebê-la melhor. “Quando começo a pintar caras mais realistas, começo a ver todos os detalhes. Começo a ver as caras de uma maneira diferente”, revela o graffiter, que na sua conta no Instagram costuma discriminar partes das caras que pinta e publicá-las. O artista diz que normalmente é ele que pede às pessoas para participarem nos seus trabalhos. E os participantes, por sua vez, enchem Jorit de perguntas.

Jorit Agoch é de Nápoles, cidade “problemática” onde “cresceu a ver montes de graffiti”, e conta que começou a graffitar como forma de se “expressar”. “Em muitos aspectos, [Nápoles] é problemática. Criminalidade, pessoas a viver nas ruas…”.

O artista não revela se alguma vez teve problemas com a lei, mas diz que os EUA são o local mais difícil para trabalhar: “A polícia e a lei são muito rígidas. Mas se encontrares um sítio para pintares e eles te derem autorização, podes fazê-lo com facilidade”.

Jorit diz que África foi o sítio onde mais gostou de trabalhar, porque lhe “abriu a mente” e lhe permitiu “perceber muitas coisas diferentes”. “Se viajares por África, acho que podes perceber muitas belezas diferentes”, afirma. De Portugal, conhece Mr. Dheo e Odeith, que faz trabalhos em 3D, que Jorit, a rir, chama de “loucura”.

O italiano considera que os graffiti são mais do que os tags que enxameiam as cidades, marcas que os graffiters costumam deixar como forma de assinatura. “Quando os graffiti começaram na pré-história, as pessoas costumavam desenhar algo que estava no sentimento humano”, diz. E será que as pessoas já aceitam mais a arte urbana? “Eu não sei… As pessoas começaram a comprar mais depois do aparecimento de artistas como Banksy. Mas não me importo muito com isso. Não comecei com isto para ser aceite pelas pessoas”.

Texto editado por Hugo Torres

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