Estudantes pagam 300 milhões por ano em propinas

Verba equivale a um terço daquilo que o Estado transfere para as universidades e politécnicos. Parlamento discute esta sexta-feira propostas de PCP e BE para tornar ensino superior gratuito.

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O valor recebido com propinas está a servir para pagar “parte dos vencimentos e despesas gerais”, assume o presidente do CCISP, Nuno Mangas daniel rocha

Os estudantes do ensino superior estão a gastar cerca de 300 milhões de euros por ano a pagar propinas. Esta verba tem-se tornado cada vez mais relevante para as instituições, assegurando custos fixos face à redução do financiamento público registada nos últimos anos. O esforço das famílias corresponde actualmente a um terço de todo o dinheiro que o Estado investe no sector.

O PÚBLICO pediu a todas as instituições de ensino superior públicas que indicassem qual o valor que recebem em propinas. Responderam às questões 20 instituições. Nestas, o total arrecadado com propinas ascendeu, no último ano, a 264,4 milhões de euros. Outras oito instituições não responderam ao inquérito, mas fazendo uma estimativa tendo em conta os valores das propinas e o número de alunos destas instituições, permite perceber que o total cobrado pelas instituições aos seus alunos ascende a um número próximo dos 300 milhões de euros anuais. Este valor foi validado pelos responsáveis do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) e Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Públicos (CCISP) contactados.

O valor recebido com propinas está a servir para pagar “parte dos vencimentos e despesas gerais”, assume o presidente do CCISP, Nuno Mangas. “Hoje, são uma parte importante dos nossos orçamentos. Servem para pagar um pouco de tudo”, informa, por seu turno, António Cunha, que dirige o CRUP. Entre 2010 e 2015, o ensino superior perdeu mais de 400 milhões de euros de transferências do Estado. Na actual legislatura, o nível de financiamento manteve-se estável e há um compromisso assinado de que não haverá novos cortes. Ainda assim, o cenário é de “subfinanciamento”, têm concordado as instituições e a tutela.

Os 300 milhões cobrados anualmente às famílias correspondem a um terço do total que o Estado transfere anualmente para as instituições – 900 milhões no Orçamento do Estado para 2017. De acordo com a recolha de informação feita junto das instituições de ensino superior, as propinas representam hoje, em média, 18,2% do total de receitas das universidades e politécnicos. Neste cálculo, incluem-se os fundos públicos e os proveitos resultados de candidaturas a fundos comunitários, projectos de investigação e serviços prestados a empresas e outras organizações.

No relatório Education at a Glance – editado pela OCDE – as famílias portuguesas são apontadas como aquelas que mais contribuem para o financiamento do ensino superior em toda a União Europeia, representando 32,2% das receitas do sector. Em sentido contrário, Portugal é o segundo país europeu em que menos custos são cobertos pelo Estado (58,1%), sendo apenas ultrapassado pelo Reino Unido.

Propostas serão chumbadas

Esta sexta-feira, o Parlamento discute dois projectos de resolução, do PCP e BE, sobre propinas que estão condenados ao insucesso. PSD e CDS já fizeram saber que vão votar contra, tal como o PS. “Foram assinados recentemente contratos com as instituições que pressupõem uma previsibilidade e estabilidade financeira até ao final da legislatura. Introduzir uma alteração destas nesta altura iria criar um desequilíbrio no sistema”, justifica a deputada socialista Susana Amador.

A proposta bloquista apresenta um plano plurianual para que o ensino superior volte a ser gratuito até ao final da legislatura, enquanto o PCP recomenda o fim das propinas de forma faseada, abrangendo, numa primeira fase, os alunos de licenciatura e os de doutoramento em 2020.

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Voltar a tornar o ensino superior gratuito é “fundamental”, para o deputado do BE Luís Monteiro. O ensino superior vive um “estado de excepção” segundo aquele parlamentar: “É um serviço público pago a custos extraordinários”. A proposta do Bloco não propõe apenas o fim das propinas, mas um reforço do financiamento público ao sector. “As receitas hoje garantidas pelas famílias deviam ser substituídas por um aumento das contribuições do Estado”, defende Monteiro. A proposta do PCP vai no mesmo sentido: “É necessário que haja em sede de Orçamento de Estado transferências dos montantes que são necessários ao cumprimento do nosso projecto de resolução”, afirma a deputada Ana Mesquita.

Para o presidente do CRUP António Cunha, também “é impossível falar separadamente” dos valores das propinas e do financiamento do ensino superior. Daí que os reitores já tenham demonstrado, mais do que uma vez, abertura para discutir a forma como é feito o financiamento. Para os politécnicos, é importante sublinhar o peso “muito assinalável” das propinas no orçamento das instituições. “Qualquer discussão sobre o tema deve levar isto em conta”, salienta o presidente do CCISP, Nuno Mangas.

O PÚBLICO questionou o Ministério da Ciência e Ensino Superior acerca de uma eventual mexida nas propinas durante esta legislatura, mas não obteve uma resposta até ao momento. Esta terça-feira, durante uma audição Parlamentar, o ministro Manuel Heitor tinha afirmado que o tema “não está no programa do Governo abrir o debate sobre a lei do financiamento do Ensino Superior”. 

Estudantes querem discutir

Entre os estudantes, também há vontade de ter esta discussão. Na semana passada, cerca de 30 estruturas associativas – entre as quais as Associações Académicas de Coimbra, Lisboa, Évora e Algarve – apresentaram o Movimento Rumo à Propina Zero. “Não queremos que as propinas acabem amanhã”, ilustra o presidente da Federação Académica de Lisboa, João Rodrigues, um dos porta-vozes da iniciativa. A intenção é “lançar a discussão sobre o tipo de financiamento que o ensino superior quer ter”, sublinhando que hoje é exigido “demasiado esforço às famílias” para terem os seus filhos numa universidade ou politécnico, explica.

A nível europeu, há quatro países onde o ensino superior é totalmente gratuito (Finlândia, Suécia, Noruega e Chipre) e outros tantos em que os estudantes pagam apenas os custos administrativos da inscrição na universidade (no máximo, 75 euros anuais). São os casos de Alemanha, República Checa, Polónia e Eslovénia. De acordo com o relatório anual da rede Eurydice, Portugal está entre os países com propinas mais altas.

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