OCDE alerta para utilização “desadequada” dos serviços de urgência em Portugal

Três em cada dez doentes que chegam às urgências dos hospitais portugueses podiam ver o problema tratado noutro lugar. Relatório aponta taxas moderadoras nos cuidados primários como um incentivo ao uso do serviço de urgência.

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O relatório destaca que às urgências chegam muitos casos sociais MARIA JOAO GALA

“O uso indevido de serviços de urgência é dispendioso e potencialmente nocivo para os doentes.” O alerta é feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) num relatório publicado esta quarta-feira que destaca que Portugal está a fazer uma utilização “desadequada” das urgências hospitalares, estimando-se que em pelo menos 31% das situações os doentes poderiam ter resolvido o seu problema de outra forma. Para a OCDE esta situação pode reverter-se com o pagamento de incentivos às instituições que tratem os doentes no lugar certo, premiando-se a qualidade e não a quantidade. Dependendo dos dados reportados por cada país, o relatório estuda este sector nos últimos cinco anos.

O relatório Tackling Wasteful Spending on Health olha para várias áreas em que os países estão a desperdiçar dinheiro no sector da saúde e identifica a utilização excessiva das urgências como um dos principais exemplos. Os portugueses surgem no topo da tabela quando se olha para o número de visitas. Em média, por cada 100 mil habitantes, 70 vão anualmente às urgências.

No entanto, o problema está longe de ser um exclusivo de Portugal: em 14 dos 19 países sobre os quais a OCDE conseguiu recolher dados, o número de pessoas a dirigir-se aos serviços de urgência aumentou nos últimos anos. O segundo lugar na utilização destes serviços por cada 100 mil pessoas é ocupado por Espanha e o terceiro pelo Chile, que mesmo assim não chegam às 60 visitas. Entre os mais moderados, com dez ou menos visitas por cada 100 mil pessoas, aparecem países como a República Checa, Alemanha, Nova Zelândia e Holanda.

Precisavam de ir à urgência?

Numa segunda parte do trabalho, a OCDE aprofunda a análise sobre este tema e em vez de olhar apenas para o número de doentes que foram às urgências tenta distinguir os casos em que as pessoas precisavam mesmo daquele tipo de acompanhamento e as situações em que os doentes deveriam ter resolvido o problema noutro local, nomeadamente nos centros de saúde. O valor mais elevado foi encontrado na Eslovénia e na Bélgica, onde mais de metade dos doentes que vai a uma urgência não precisava na realidade de um serviço tão diferenciado. Na Austrália o valor é de 32%, em Portugal de 31% e em países como os Estados Unidos da América e o Reino Unido não chega aos 12%. Muitos dados dizem respeito ainda a 2014, como é o caso de Portugal, mas a verdade é que neste Inverno, em Dezembro, alguns hospitais registaram um acréscimo de 20% na procura.

Quanto a Portugal e à Grécia, a OCDE avisa que as taxas moderadoras cobradas nos cuidados de saúde primários acabam por levar a que os doentes prefiram dirigir-se a um serviço de urgência, onde encontram uma gama completa de serviços a funcionar 24 horas por dia, sete dias por semana. Se o acesso aos centros de saúde fosse gratuito a situação seria diferente, acredita a OCDE.

Os casos de pobreza, de poucos apoios sociais (de que é exemplo a falta de uma rede abrangente de cuidados continuados) são outras das situações que o relatório aponta como estando associadas a uma excessiva procura das urgências. A fraca divulgação da rede de centros de saúde abertos até mais tarde ou ao fim-de-semana é outro dos problemas referidos. Paradoxalmente, ao mesmo tempo, o documento reconhece que o aumento das taxas moderadoras nas urgências (feita ainda pelo anterior ministro da Saúde e que o actual Governo voltou a reduzir) não ajudou a afastar as pessoas dos hospitais.

Nas recomendações aos vários países, a OCDE lembra que os “incentivos também importam” e aconselha os decisores políticos a “criar um ambiente de recompensa pela prestação dos serviços certos em vez de pela quantidade”. Neste campo, Portugal é citado como um dos países em que se tem avançado para formas de pagamento que têm em consideração a qualidade e não só a quantidade.

Aliás, como o PÚBLICO noticiou há uma semana, o Ministério da Saúde vai passar a pagar aos hospitais um valor fixo por cada doente que atenderem nas urgências e um valor variável, de acordo com o desempenho. Ao mesmo tempo, vão avançar três projectos-piloto no Centro Hospitalar de São João, no Porto, no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental e no Centro Hospitalar de Leiria. A ideia é que estes hospitais passem a contar com uma equipa fixa na urgência e que os gestores tenham mais autonomia. Em contrapartida, o valor que o hospital e que os profissionais de saúde vão receber vai depender em parte do resultado do trabalho que fizerem.

 

Outras ideias do relatório

Cirurgias sem internamento

O aumento do número de cirurgias de ambulatório, em que os doentes são operados sem a necessidade de ficarem internados, é apontado como um bom exemplo de gestão de recursos na Saúde. A OCDE destaca o crescimento que Portugal tem tido nesta área ao longo dos últimos anos, reconhecendo que o aumento destas intervenções reflecte vários factores, desde os avanços técnicos à necessidade dos hospitais resolverem o problema das listas de espera em várias áreas, como as cirurgias de cataratas.

Mais genéricos

A aposta no consumo de genéricos, em vez de medicamentos de marca, é outra das recomendações feitas aos vários países no relatório. Também aqui a OCDE elogia o percurso que Portugal tem feito, salientando algumas campanhas públicas feitas junto da população para passar a mensagem de que os medicamentos de marca branca são tão eficazes e seguros como os originais. “Em Portugal, a quota de mercado dos genéricos cresceu de praticamente zero em 2000 para 41,3% em volume em 2015”, lê-se no documento, que destaca as alterações que o país fez na forma de pagamento às farmácias para incentivar a dispensa dos fármacos mais baratos.

Poucas cirurgias do joelho

As discrepâncias entre os vários países ou mesmo dentro de um determinado país é motivo de preocupação para a OCDE. Por exemplo, nas cirurgias do joelho, os peritos apontam que existem zonas de Portugal onde este procedimento é cinco vezes mais comum – uma diferença que os peritos acreditam que está mais relacionada com o acesso aos serviços de saúde e com os critérios médicos do que com as necessidades da população, que a OCDE não acredita que possam ser tão díspares.

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