Afinal, qual é o mistério da sonoridade dos Stradivarius?

Tem havido muitas especulações sobre o que distingue o som dos famosos violinos. Parece que a idade, o tratamento químico e as vibrações são parte do seu enigma.

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Um dos famosos violinos construídos pelo italiano Antonio Stradivari Christian Charisius

Já só de ouvirmos a palavra “Stradivari” parece surgir uma melodia divinal vinda de um violino. Pois é, quase involuntariamente associamos os violinos fabricados por Antonio Stradivari a uma qualidade sonora acima da média. Como tal, ao longo da história têm surgido as mais vastas teorias, mais ou menos afinadas, sobre a composição do material do violino. Surgem agora novos resultados sobre a constituição dos Stradivarius, num estudo coordenado por Hwan-Ching Tai, do Departamento de Química da Universidade Nacional de Taiwan, publicado esta segunda-feira na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Resumindo, os Stradivarius têm composições orgânicas e inorgânicas distintas dos violinos mais recentes.

Foi em Cremona, uma cidade do Norte de Itália, que se deu a invenção do violino tal como o conhecemos hoje. O primeiro grande fabricante de violinos foi Andrea Amati. Foi ele quem inaugurou uma época de ouro no fabrico de violinos, seguindo-se-lhe nomes como Giuseppe Guarneri ou Antonio Stradivari. E paramos aqui. Antonio Stradivari merece uma pausa.

Este italiano viveu entre 1644 e 1737 e estima-se que tenha fabricado mais de mil violinos. Além da quantidade, Stradivari destacou-se também pela qualidade dos instrumentos que construiu. Além da sonoridade distinta, calcula-se que os violinos de Stradivari sejam resistentes ao longo do tempo. Ainda chegaram até nós cerca de 600, que atingem valores de mercado consideráveis. Alguns chegaram a valer quase cinco milhões de euros.

Têm sido várias as tentativas dos fabricantes de instrumentos para alcançar a sonoridade dos Stradivarius, mas em vão. Por isso, suspeita-se que a propriedade da madeira dos violinos construídos em Cremona no século XVIII não exista na madeira dos violinos dos anos que se seguiram. “Os modelos dos violinos desenhados por Stradivari têm sido bastante copiados há cerca de dois séculos pelos fabricantes de violinos que tinham esperança em recriar as suas qualidades sonoras”, lê-se no artigo científico.

A equipa de cientistas foi tentar desmistificar este mistério através de espectroscopia por ressonância magnética nuclear (que explora as propriedades físicas e químicas de certos átomos e moléculas) e de um sincrotrão (máquina que emite raios X muito intensos), aplicando estas técnicas, entre outras, a quatro violinos Stradivarius e a um de Guarneri.

Já haviam sido feitas análises aos violinos destes dois fabricantes por Joseph Nagyvary, professor emérito de bioquímica da Universidade do Texas, nos EUA. Ao longo de mais de 30 anos, este investigador desenvolveu um trabalho sobre a origem da sonoridade dos Stradivarius (e dos violinos de Guarneri) e em 2006 descobriu, num artigo publicado na revista Nature, que tudo se devia às substâncias químicas utilizadas para tratar a madeira daqueles violinos. “Comecei a investigação no início dos anos 70 e, desde o início, estava convencido de que os químicos usados no tratamento dos instrumentos eram a chave real, e não a madeira em si”, dizia Joseph Nagyvary num comunicado da Universidade do Texas na altura.

“Esta investigação prova sem margem para dúvidas de que a madeira dos grandes mestres estava sujeita a um tratamento químico agressivo e os químicos – muito provavelmente agentes oxidantes – tiveram um papel importante na criação do grande som dos violinos de Stradivari e de Guarneri”, acrescentava então Joseph Nagyvary. “Talvez os fabricantes de violinos nem tivessem consciência dos efeitos acústicos dos químicos. Tanto Stradivari como Guarneri queriam tratar os violinos para impedir que as larvas comessem a madeira. Usaram alguns agentes químicos para proteger a madeira das infestações da altura e a consequência acidental destes químicos foi um som inigualável.”

Agora o novo estudo vem reforçar o trabalho desenvolvido por Nagyvary, ou seja, conclui que os violinos foram tratados com conservantes complexos, que continham alumínio, cálcio, cobre, sódio, potássio e zinco.

Há ainda outros factores a considerar na composição química encontrada nos Stradivarius. Primeiro, ao longo tempo houve uma decomposição da hemicelulose (um dos componentes da parede celular vegetal) nas fibras orgânicas da madeira dos violinos Stradivarius, em cerca de um terço.

Assim como ocorreu uma oxidação da lignina, responsável por conferir rigidez, impermeabilidade e resistência à celulose na parede celular. Tudo isto foi verificado nos Stradivarius, ao contrário do que acontecia nos violinos mais recentes fabricados com madeira para instrumentos. “A madeira dos plátanos usada pelos artesãos nos violinos, mas não nos violoncelos, mostra um padrão de oxidação por calor atípico da madeira natural, mas que já tinha sido relatado em madeira que tinha apodrecido devido a fungos”, explica um resumo da PNAS.

Em todo este estudo há também espaço para pressupor o que o som pode ter provocado na madeira dos Stradivarius: “É possível que as vibrações de frequência elevada tenham alterado gradualmente a ultra-estrutura das fibras de madeira, actuando em conjunto com a decomposição da hemicelulose ao longo do tempo”, diz por sua vez o artigo científico. “O plátano dos Stradivarius representa um caso singular na história dos instrumentos musicais de madeira, mas as suas implicações e impacto podem ter um alcance muito maior”, remata o artigo.

Ainda que este estudo desvende agora um pouco mais o mistério, é fácil adivinhar que se continuará à procura do porquê do som tão único destes violinos.

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