Cunha Ribeiro, ex-presidente do INEM, suspeito de corrupção

Outras três pessoas foram constituídas arguidas nas mais de 30 buscas que decorrem desde esta manhã. Dois são advogados.

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FERNANDO VELUDO / PUBLICO

O médico Luís Cunha Ribeiro, ex-presidente do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo, foi detido nesta terça-feira pela Polícia Judiciária, numa operação designada O negativo. Em causa estão suspeitas de corrupção nos negócios de derivados de sangue. Outras três pessoas foram constituídas arguidas esta terça-feira no âmbito deste processo, dois dos quais são advogados.

Desde a manhã estão a decorrer mais de 30 buscas, nomeadamente no Ministério da Saúde e no escritório de advogados de José Miguel Júdice, a PLMJ, onde um dos sócios foi constituído arguido. Outra sociedade, a LAW Advogados e Associados, também foi alvo de buscas e um dos seus responsáveis constituído arguido. Uma antiga membro da direcção da Associação Portuguesa de Hemofilia é a terceira arguida. 

Pouco antes das 19h, a PLMJ emitiu um comunicado onde confirma as buscas e a constituição de arguido de um dos seus advogado. A sociedade diz ainda que as buscas estão relacionados com um cliente, que não é identificado, mas que o PÚBLICO sabe ser a Octapharma, a empresa que terá corrompido Cunha Ribeiro. Na nota a PLMJ refere que a relação profissional com este cliente apenas se iniciou em Fevereiro deste ano e critica a actuação das autoridades judiciais. "Trata-se, uma vez mais, do recurso à utilização instrumental de um advogado como elemento propiciador da recolha de material probatório por parte da investigação criminal, tendo em vista assegurar o cumprimento do requisito formal consagrado no (...) Estatuto da Ordem dos Advogados, que só permite a apreensão de documentos quando o advogado tenha sido constituído arguido", lê-se no comunicado.

As buscas decorrem igualmente no escritório da multinacional suíça Octapharma, em Lisboa, e no Hospital de São João, no Porto, onde o clínico teve vários cargos de chefia. Na empresa farmacêutica ninguém responde às chamadas, enquanto naquela unidade de saúde a assessoria de imprensa não presta qualquer informação sobre este caso.

Cunha Ribeiro integrou o júri do concurso público que em 2000 deu à multinacional suiça Octapharma o monopólio da venda de plasma inactivado (componente do sangue) aos hospitais públicos portugueses. O médico viveu vários anos em Lisboa num apartamento de Paulo Lalanda de Castro (o homem forte da Octapharma), que foi patrão do ex-primeiro-ministro José Sócrates.

Lalanda de Castro tem residência na Suíça e não se encontra actualmente em Portugal. No entanto, como é arguido no processo de Sócrates, tem que informar o Ministério Público sobre as viagens que realiza. O empresário está igualmente acusado, no âmbito do processo dos vistos gold, de dois crimes de tráfico de influência relacionado com favorecimentos a uma das suas empresas (a Intelligent Life Solutions) que trouxe a Portugal várias dezenas de cidadãos líbios, vítimas da guerra naquele país, para receberem tratamento médico. 

O PÚBLICO apurou que estão a ser investigados negócios na área do sangue no valor de 137 milhões de euros. O valor das contrapartidas que terão sido recebidas por Cunha Ribeiro ainda não está totalmente contabilizado, mas uma fonte da investigação adiantou que uma parte terá sido dada em dinheiro e outra em dois bens imóveis. Um deles refere-se ao alegado uso gratuito por parte do médico do apartamento no Edifício Heron Castilho, que pertencia a uma empresa de Lalanda e Castro, um prédio onde Sócrates também viveu. Outra, uma casa no Porto, que terá sido adquirida pelo ex-presidente do INEM a preços especiais. 

Neste momento estão a decorrer "mais de três dezenas de buscas domiciliárias e não domiciliárias", esclareceu a Procuradoria-Geral da República (PGR), em nota à imprensa, em que confirma que foi efectuada uma detenção. A PGR afirma ainda que estão aqui em causa "factos susceptíveis de integrarem a prática de crimes de corrupção activa e passiva, recebimento indevido de vantagem e branqueamento de capitais".

As buscas decorrem em vários locais, nomeadamente no Ministério da Saúde e no INEM, em escritórios de advogados, localizados na área da Grande Lisboa e do Grande Porto, mas há também duas buscas em território suiço.

A PGR explica que neste inquérito — que é dirigido pelo Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa em colaboração com a Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ —- estão a ser investigadas "suspeitas de obtenção, por parte de uma empresa de produtos farmacêuticos, de uma posição de monopólio no fornecimento de plasma humano inactivado e de uma posição de domínio no fornecimento de hemoderivados a diversas instituições e serviços que integram o Serviço Nacional de Saúde".

Para este efeito, acrescenta a PGR, um representante da empresa e "um funcionário com relevantes funções no âmbito de procedimentos concursais públicos nesta área da saúde terão acordado entre si que este último utilizaria as suas funções e influência para beneficiar indevidamente a empresa do primeiro". Os factos ocorreram entre 1999 e 2015.

Depois de ter sido director clínico do Hospital de S. João (Porto) e presidente do INEM, Cunha Ribeiro liderou a ARS de Lisboa e Vale do Tejo, de onde se demitiu há um ano na sequência do caso de David Duarte, no Hospital de S. José, que morreu devido à ruptura de um aneurisma cerebral.

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