A dissolução do ideal comum

Os anglo-saxónicos têm uma expressão perfeita para definir o que é hoje a União Europeia: “living on a permanent brink”, viver num limbo permanente.

Agora é Itália. Agora é a Áustria. Se correr as 12 páginas do destaque do PÚBLICO de hoje encontrará muitas razões para temer mais um problema a partir desta noite. Se Renzi perder, se Norbert Hofer vencer, lá virão de novo os medos de governos a tremer, mercados a fugir, bancos a ruir.

Os anglo-saxónicos têm uma expressão perfeita para definir o que é hoje a União Europeia: “living on a permanent brink”. Tentarei traduzi-la assim: viver num limbo permanente.

Talvez desde o alargamento a Leste que a discussão se repete na mesma dimensão: começou ainda antes da crise financeira, com os referendos em França e na Holanda (2005) ao projecto de Constituição Europeia. Prosseguiu, crise dentro, com as eleições na Grécia e Portugal e seguintes resgates financeiros. Temeu os nacionalistas polacos e húngaros. Continuou com o referendo britânico. Passa agora pelo teste eleitoral ao Governo Renzi, em Itália, ou à possível eleição de um Presidente austríaco vindo da extrema-direita.

Daqui a meses olharemos para outras eleições como “momentos decisivos” para o futuro da Europa. As eleições francesas, onde Marine Le Pen é “o perigo” do momento; as holandesas, com mais uma extrema-direita à vista. E até as alemãs, que não são ainda um “risco” evidente, mas onde já se identificam inimigos da liberdade e que sempre servirão de desculpa para que nada se decida – apesar da quarta candidatura de Merkel a chanceler, a única esperança a que a Europa se pode agarrar.

Porque nenhum projecto consegue resistir num limbo permanente, talvez tenha chegado o momento de a União Europeia se perguntar se tem um problema com a democracia, por estar sempre a temer as escolhas dos seus povos, ou se tem mesmo um problema de projecto comum.

Se a Europa quer mesmo reencontrar a sua normalidade, não pode ficar à espera que a economia volte a crescer. Porque temos evidência suficiente para temer que não volte a crescer como antigamente e porque nunca mais teremos as economias no seu potencial pleno se estivermos em permanente estado de ansiedade.

A Europa, sim, tem decisões difíceis à sua frente. Sobre o euro, sobre a união bancária, sobre as regras comerciais, sobre a livre circulação, sobre o que é ser europeu. Pode não ser fácil chegar a um novo consenso europeu, no mundo que já não vê o fim da história, numa União que tem ainda 28 países. Mas há um consenso a que todos têm a obrigação de ter chegado: ficar na encruzilhada, à espera da próxima eleição, será o caminho certo para a desilusão dos povos – e para a dissolução do ideal comum.

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