NATO abre portas à Ucrânia e Putin responde "não se metam com a Rússia"

Primeiro-ministro ucraniano vai pedir ao Parlamento que aprove pedido de adesão. Líderes da União Europeia admitem discutir reforços das sanções contra a Rússia.

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Presidente russo falou com jovens estudantes no fórum Seliger MIKHAIL KLIMENTYEV/AFP
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Anders Fogh Rasmussen, secretário-geral da NATO Yves Herman/Reuters

Depois da escalada militar dos últimos dias no Leste da Ucrânia, com a ofensiva dos separatistas pró-russos contra a cidade portuária de Mariupol e a acusação da NATO de que a Rússia tem pelo menos 1000 soldados a combater em território ucraniano, as últimas horas ficaram marcadas também por uma escalada na guerra de palavras para níveis inéditos desde o início do conflito.

A partir de Kiev, o primeiro-ministro ucraniano, Arseni Iatseniuk, pôs pressão sobre os líderes da União Europeia e dos Estados Unidos, ao declarar publicamente que vai fazer tudo para ver a Ucrânia como membro de pleno direito da NATO – uma das linhas vermelhas que a política externa russa não admite que seja ultrapassada, e também uma intenção que visa forçar os governos ocidentais a pronunciarem-se sobre o assunto.

Do outro lado da fronteira, o Presidente russo, Vladimir Putin, deixava um aviso: "Acho que não passaria pela cabeça de ninguém iniciar um conflito em larga escala com a Rússia (…) Devo lembrar que a Rússia é uma das maiores potências nucleares."

As palavras de Vladimir Putin, proferidas durante um encontro com jovens estudantes russos no fórum Seliger, foram talvez as mais sintomáticas da distância que passou a separar Rússia e Estados Unidos no último ano, principalmente depois do início da crise na Ucrânia, em Novembro de 2013.

Apenas dois meses antes, a 16 de Setembro, representantes de ambos os países tinham viajado até Viena para colocarem um ponto final no afastamento que ainda sobrava dos tempos da Guerra Fria – com o burocrático mas esclarecedor título "Acordo entre o Governo dos Estados Unidos da América e o Governo da Federação Russa sobre a Cooperação em Investigação e Desenvolvimento Científicos Relacionada com o Nuclear e a Energia", Washington e Moscovo comprometiam-se até a trabalharem em conjunto para defenderem o planeta Terra do impacto de asteróides.

Menos de um ano depois, o tema do nuclear volta a ser posto em cima da mesa, mas num contexto muito diferente daquele que deu origem ao acordo entre os Estados Unidos e a Rússia, que foi entretanto suspenso.

Mas Vladimir Putin não se limitou a lembrar que a Rússia é uma das maiores potências nucleares: "Isto não é só conversa, é a realidade. Estamos a fortalecer o nosso poder de dissuasão nuclear. Estamos a fortalecer as nossas forças armadas, que estão a ficar mais compactas e mais eficazes. Foram reforçadas com sistemas de armamento modernos. E vamos continuar a reforçar esse potencial", afirmou Putin, citado pela agência de notícias russa RIA Novosti.

Salientando que a Rússia "está longe de se ver envolvida num conflito em larga escala", o Presidente russo deixou claro que o seu país "esteve sempre pronto para repelir qualquer acto de agressão". "Independentemente da situação em que os seus países se encontrem ou da linha da sua política externa, os nossos parceiros têm sempre de perceber que é melhor não se meterem com a Rússia", afirmou Vladimir Putin.

Pressão de Kiev
As declarações do Presidente russo surgiram depois de uma reunião extraordinária da Comissão NATO-Ucrânia, o órgão que gere a cooperação entre a Aliança Atlântica e a Ucrânia, realizada a pedido das autoridades de Kiev.

O secretário-geral da NATO denunciou a "violação flagrante da soberania e da integridade territorial da Ucrânia" pela Rússia e não fechou a porta à intenção anunciada pelo primeiro-ministro ucraniano de ver o seu país como membro de pleno direito da Aliança Atlântica.

"Apesar dos desmentidos vazios de Moscovo, tornou-se evidente que tropas e equipamento russos atravessaram ilegalmente a fronteira e entraram no Leste e no Sudeste da Ucrânia. Não é uma acção isolada, integra-se num padrão perigoso desenvolvido ao longo de meses com o objectivo de desestabilizar a Ucrânia enquanto nação soberana", lê-se no comunicado de Anders Fogh Rasmussen.

A intenção de a Ucrânia passar a integrar a NATO foi posta de lado em 2010 pelo então recém-eleito Presidente Viktor Ianukovich, dois anos depois de o seu antecessor, Viktor Iushenko, ter posto o país no caminho da plena integração. Na altura, Viktor Ianukovich disse que a entrada na NATO "não era realista", alegando que esse passo "precisaria do apoio da maioria da população".

Com a queda de Ianukovich em Novembro do ano passado, depois de se ter recusado a assinar um acordo com a União Europeia e de se aproximar da união aduaneira desenhada pela Rússia, o actual Governo ucraniano retomou a intenção de se tornar membro de pleno direito da NATO.

Nesta sexta-feira, o primeiro-ministro interino, Arseni Iatseniuk, anunciou que vai submeter ao Parlamento uma proposta nesse sentido, sublinhando também que a política externa ucraniana tem como objectivo a integração na União Europeia. Iatseniuk fez este anúncio cinco dias depois de o Presidente Petro Poroshenko ter anunciado a dissolução do Parlamento, marcando eleições legislativas para 26 de Outubro – como é comum nestes casos, os actuais deputados vão continuar em funções até ao resultado das eleições.

O anúncio do primeiro-ministro da Ucrânia teve uma resposta do secretário-geral da NATO, já na conferência de imprensa realizada no final da reunião extraordinária desta sexta-feira.

"Permitam-me recordar a decisão tomada em 2008 pela NATO para que a Ucrânia se torne um Estado-membro", disse Anders Fogh Rasmussen, referindo-se à cimeira de Bucareste, realizada em Abril de 2008.

"A Ucrânia decidiu seguir a chamada aliança não-alinhada. Respeitamos totalmente essa decisão, e vamos respeitar se o Parlamento ucraniano decidir mudar essa política, porque defendemos o princípio de que cada nação tem o direito de decidir por si própria, sem ingerências do exterior", disse Rasmussen, numa referência à oposição da Rússia a que o seu vizinho passe a integrar a NATO.

A questão da entrada da Ucrânia na NATO voltou a assumir uma importância fulcral nos últimos dias, com as acusações da Aliança Atlântica, dos Estados Unidos e da União Europeia de que a Rússia está directamente envolvida nos combates no Leste e no Sudeste da Ucrânia, em particular numa nova ofensiva dos separatistas pró-russos contra a cidade portuária de Mariupol.

Moscovo tem negado o envio de tropas para a Ucrânia, dizendo que todos os russos que estiverem a lutar ao lado dos separatistas são voluntários, ou soldados que perderam a orientação e entraram "sem intenção" em território ucraniano.

UE pode discutir sanções
A ofensiva dos separatistas e as acusações de envolvimento directo da Rússia no conflito motivaram também uma reunião de emergência do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, mostrou-se alarmado com os mais recentes desenvolvimentos, e disse que "a comunidade internacional não pode permitir que a situação se agrave ainda mais".

Sempre com o cuidado de sublinhar que a ONU "não tem qualquer meio independente" que lhe permita confirmar a presença de tropas russas na Ucrânia, o responsável pelos Assuntos Políticos da organização, Jeffrey Feltman, disse que "os relatos profundamente alarmantes sobre um envolvimento russo não podem ser ignorados".

"A confirmar-se, constituiria uma infracção directa da lei internacional e da Carta das Nações Unidas", afirmou o responsável.

Reunidos em Milão, os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia parecem cada vez mais inclinados a recomendarem o reforço das sanções contra a Rússia. Um dos mais firmes foi o ministro sueco, Carl Bildt, que descreveu a alegada participação de tropas russas na nova ofensiva dos separatistas como "a segunda invasão russa da Ucrânia este ano", numa referência à anexação da Crimeia, consumada em Março.

Mais longe ainda foi o ministro finlandês, Linas Linkevicius, que defendeu o reforço das sanções e o envio de ajuda militar para as forças ucranianas.

"Temos de admitir todo o apoio possível ao Governo ucraniano porque eles estão a enfrentar uma incursão, uma invasão, uma agressão a partir do exterior", disse Linkevicius, deixando de lado o cuidado semântico que tem levado alguns líderes europeus, como o primeiro-ministro britânico, David Cameron, a preferirem falar em "incursões" de tropas russas do que numa "invasão".

O ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Frank Welter Steinmeier, disse que existe agora um risco de a situação ficar fora de controlo e falou mesmo na possibilidade de uma "confrontação imediata" entre os exércitos ucraniano e russo.

Uma semana depois de a chanceler Angela Merkel ter ido a Kiev manifestar o seu apoio ao Presidente Petro Poroshenko, e também dizer-lhe que não existe uma solução militar para o conflito, os últimos dias podem ter trocado as voltas ao plano que a União Europeia tinha para acalmar a tensão.

Numa referência ao encontro entre Poroshenko e Putin na Bielorrússia, na terça-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão disse nesta sexta-feira que "todas as esperanças  de que a conversa entre o Presidente Poroshenko e o Presidente Putin iria ajudar a acalmar a situação foram frustradas".

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