O capitão Nascimento foi para Berlim

Wagner Moura, o actor de Tropa de Elite, é a vedeta de Praia do Futuro, do brasileiro Karim Ainouz. Desta vez é um herói que assume a sua homossexualidade.

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Depois de Tropa de Elite Wagner Moura demonstra coragem ao aceitar o papel neste novo filme DR

Não é evidente - é até um tudo nada estranho - ver o capitão Nascimento do BOPE numa escaldante cena de sexo gay. Tire-se o chapéu a Wagner Moura, o oficial inflexível de Tropa de Elite, por ter aceitado o desafio do seu conterrâneo Karim Ainouz: dar corpo a um nadador-salvador de Fortaleza, homossexual não assumido, que abandona tudo para viver em Berlim com um homem que mal conhece.

Acontece tudo em Praia do Futuro, que estreou terça-feira na competição da Berlinale, e acreditamos que foi precisamente por isso que Ainouz, cineasta e artista plástico brasileiro há muito radicado na capital alemã, escolheu o actor. O realizador diz que é um filme sobre o heroísmo, a coragem e o medo. Tudo decorre do afogamento de um turista alemão na praia que dá nome ao filme e do encontro entre Konrad, o amigo que viajava com ele e que por um triz não se afogava (Clemens Schick), e Donato, o nadador-salvador que não o conseguiu salvar (Wagner Moura). Escolher o actor e o corpo de Tropa de Elite para um papel gay é mais do que apenas um truque de casting, é mesmo uma ideia de cinema por si só.

Ainouz quer questionar o modo como os estereótipos masculinos sociais podem aprisionar a vulnerabilidade de cada um, e como o desejo pode ser um modo de a libertar. Quer fazê-lo através da faísca animal que resulta do encontro entre Konrad, que esteve na tropa no Afeganistão, e Donato, que o seu irmão mais novo vê como um herói invencível; da coragem que Donato encontra para assumir a sua verdadeira identidade e deixar o passado para trás.

Mas o cineasta, autor do premiado Madame Satã, não resiste a filmar o fétiche mais do que a essência, o desejo carnal mais do que o amor. A sensualidade garrida e sedutora das imagens nunca encontra complemento à altura numa narrativa sólida, com quase tudo o que interessa dizer a ficar apenas sugerido nas entrelinhas e Praia do Futuro a deslizar rapidamente para o nicho do "queer cinema" ao qual tanto gostaria de fugir.

Mas há também na assunção plena dos estereótipos um lado celebratório, de libertação, que dificilmente podemos pôr de lado; Praia do Futuro é um filme optimista, envolvente, plasticamente deslumbrante, com o coração no sítio certo (bastaria Heroes de Bowie no genérico final para ganhar logo outro peso).

Quanto ao capitão Nascimento, tiramos o chapéu a Wagner Moura: não são muitos os actores que aceitariam um papel tão "explícito".
 

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