Lição número um: como recuperar um mercado numa aldeia moribunda

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Em cima: o regresso do mercado, pela mão de universitários, animou o adro da igreja. Em baixo: jovens aprendem a fazer alcofas algarvias Fotos: Vasco Célio

Há anos que não se via nada assim em Querença, que tem 759 habitantes, dos quais 32 crianças. Ao fim de dois meses, o projecto para revitalizar uma freguesia rural já mostra resultados

Querença, freguesia de Loulé, situada no cimo de um monte entre o barrocal e a serra, tinha jovens e perdeu-os. O mesmo aconteceu com o mercado, em frente à igreja, que não se realizava há anos. Ontem Querença voltou a ter jovens e voltou a ter mercado.

Não foi um regresso ao passado. Foi um empurrão para o futuro, dado por recém-formados da Universidade do Algarve, que há dois meses se instalaram nesta freguesia com 759 habitantes, 16 crianças no pré-escolar e 16 no ensino básico. A missão: dar nova vitalidade à freguesia. A divulgação deste projecto universitário atraiu muitos curiosos. O arranque satisfez os responsáveis deste projecto. E a própria população.

"Não podia ser melhor", comenta Carlos Faísca, agricultor: "Fui sete vezes à horta, buscar mais couves. Mal chegava aqui [à banca], elas desapareciam."

A iniciativa da universidade, em parceria com a Fundação Manuel Viegas Guerreiro, tem um nome longo: Da Teoria à Acção - Empreender o Mundo Rural. O conceito é simples: nove jovens, entre os 22 e os 27 anos, candidataram-se a viver numa aldeia rural durante nove meses. Aí têm de aplicar o que aprenderam na escola. O coordenador científico, António Covas, já recebeu convites para replicar a ideia no Norte do país, em Vila Real, e no Alentejo, em Odemira. "Está a ser um êxito", diz, adiantando que pretende testar o "método de Querença" noutros pontos do país, ameaçados com a fuga de população. Aliás, o interesse ultrapassou mesmo fronteiras. "Tivemos visitas e pedidos de colaboração de investigadores de outras universidades, desde Paris ao Canadá, passando por Israel", diz João Ministro, coordenador local do projecto. Mas o mais importante, sublinha, "é o envolvimento da comunidade".

Como é que se toca o coração de quem perdeu a esperança? "Não é fácil", diz Dulce Martins, de 24 anos, licenciada em Biotecnologia e mestranda em Engenharia Biológica. Dulce deu ontem a conhecer novas aplicações para a alfarroba. Criou um rebuçado de chocolate de alfarroba, de fabrico artesanal, que ontem foi dado a provar pela primeira vez no mercado, que passa a realizar-se sempre no último domingo de cada mês. "Estivemos até de madrugada a fazer rebuçados."

"Nice, very nice"

Os estudantes vivem todos na mesma casa. De manhã, uns partem para o campo, outros ficam a desenvolver novas ideias - cada um nas suas áreas de competência. O turismo da natureza e a agricultura são traves mestras. Por isso, a recuperação do mercado no largo da igreja, como acontecia no século passado, foi uma das primeiras experiências práticas do projecto.

"O primeiro teste foi positivo", avalia António Covas, satisfeito ao observar o ambiente à sua volta. A missa terminou às 10h e depois foi um corrupio. "Aconteceu o clique que faltava", observa o vereador Aníbal Moreno (PSD), da Câmara de Loulé, que, juntamente com o Instituto do Emprego e Formação Profissional, patrocina as bolsas de estudantes. Recebem dois salários mínimos, durante o projecto.

Francisco Ferro, de 27 anos, licenciado em Filosofia e Engenharia Agronómica, natural de Évora, serve-se da tradicional "calma" alentejana para ouvir os agricultores - discursos a terminar quase sempre da mesma forma: "Não vale a pena, isto está morto." Porém, a juventude parece ter dado novo ânimo à aldeia. Além dos negócios, há também workshops a decorrer. João Ministro destaca: "O mercado é o primeiro resultado destes quase dois meses. E veio para ficar." Luís Caracinha, de 22 anos, licenciado em Design e Comunicação, regista a interacção com máquina fotográfica. "Nice, very nice", comenta Lore, uma alemã, ao comprar uma alcofa, de dois euros.

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