Hiroxima: Subitamente o céu ficou negro

Há 60 anos, em Hiroxima, foi lançada a primeira bomba atómica sobre uma cidade. Quatro dias mais tarde será a vez de Nagasáqui. Os Estados Unidos forçavam a rendição japonesa e o fim da Segunda Guerra Mundial. Esta arma abre uma era nova nas relações internacionais. Escreveu no dia seguinte um jornal americano: "Temos nas mãos uma invenção que pode varrer a civilização."

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A primeira bomba atómica é largada a 6 de Agosto de 1945, sobre Hiroxima, por um B-29, o Enola Gay Andy Rain/EPA

Narra uma sobrevivente: "Era em Hiroxima, no dia 6 de Agosto de 1945. (...) O nosso grupo, em fila indiana, tinha passado a ponte de Tsurumi, quando, sem alerta aéreo, apareceu, muito alto sobre as nossa cabeças, um avião inimigo, sozinho. As suas asas de prata brilhavam ao sol, incandescentes.

Uma mulher gritou: "Oh, olha, um pára-quedas." Voltei-me nessa direcção e nesse exacto momento um raio fulminante ocupou todo o céu. Foi o raio o que eu vi primeiro ou o trovão da explosão que me rasgou as entranhas? Não me lembro. Tinha sido lançada por terra, estava colada ao chão e imediatamente o mundo começou a desabar à minha volta, sobre a minha cabeça e os meus ombros. Deixei de ver. Fazia completamente negro." Quando acordou, viu a "pintura do inferno".

Horas depois, o Presidente americano, Harry Truman, anuncia o lançamento da bomba atómica. "Que ninguém se engane. (...) Se [os japoneses] não aceitarem agora as nossas condições, podem esperar uma chuva de ruína que lhes cairá do céu, uma chuva jamais vista na nossa Terra."

Little Boy e Fat Man

A Alemanha nazi rendera-se em Maio. O Japão caminhava inexoravelmente para o fim. As cidades ardiam sob tapetes de bombas. A 24 de Junho terminara a resistência em Okinawa, a "batalha decisiva" dos japoneses. A 26 de Julho, os EUA, a Grã-Bretanha e a China lançam um ultimato de "rendição incondicional" ao Japão, ameaçando-o com "a destruição rápida e total". Tóquio rejeita. Os americanos contavam com isso e, na véspera, o general Carl Spaatz, comandante da força de bombardeamento estratégico, recebera já a ordem secreta de bombardeamento atómico, "a partir de 3 de Agosto", sobre um de quatro alvos: Hiroxima, Kokura, Niigata e Nagasáqui. A nova arma fora testada com êxito a 16 de Julho.

A primeira bomba é largada a 6, sobre Hiroxima, por um B-29, o Enola Gay. É uma bomba de 60 quilos de urânio-235. Chamaram-lhe "Little Boy". Explodiu a 580 metros de altura, destruiu 62 mil dos 90 mil edifícios da cidade e fez imediatamente de 80 a 100 mil mortos. Outras 60 mil pessoas morrerão até ao fim do ano, vítimas das queimaduras e sobretudo da radiação. A nova arma mata em diferido. As populações irradiadas vão ter leucemias, vários tipos de cancro, horríveis deformações e irão transmitir aos descendentes o legado das malformações genéticas. Os irradiados chamam-se hibakusha. Vivem ainda 266 mil.

Tóquio não reage. No dia 9, outra "fortaleza voadora" parte com a segunda bomba, Fat Man, de oito quilos de plutónio-239, em direcção a Kokura. Mas a cidade está coberta de nuvens e o comandante desvia o rumo para o alvo alternativo, Nagasáqui. Morrem imediatamente 70 mil pessoas, outras 25 mil desaparecerão até ao fim do ano.

O Japão rende-se

Tóquio queria três garantias: a manutenção do imperador e do regime imperial, a não ocupação do país e a recusa de julgamento de criminosos de guerra. Entretanto, há um novo e pesado facto: no dia 8, a União Soviética declara a guerra ao Japão e lança logo uma ofensiva na Manchúria.

A 15, a rádio anuncia que o imperador Hirohito vai falar aos súbditos. È a primeira vez que ouvirão a sua voz. Era uma gravação feita na véspera. Alguns pensaram que ele ia dar a ordem de resistir e morrer. Ao contrário, o soberano, numa linguagem arcaica e cheia de eufemismos, a chorar, diz-lhes que o Japão perdeu a guerra e que é preciso "aceitar o inaceitável", a rendição sem condições. No dia 12, Truman havia comunicado a Tóquio, via Suíça, que aceitava a manutenção do imperador.

A rendição é assinada a 2 de Setembro, a bordo do cruzador Missouri, perante o general Douglas MacArthur, comandante americano no Pacífico e novo procônsul no Japão.

Os contemporâneos não podiam ter a percepção global da nova era que se abria. Mas não subestimaram Hiroxima. No dia 7, o Chicago Tribune escrevia em editorial: "Já não é impossível que cidades inteiras e os seus habitantes sejam aniquilados numa fracção de segundo por uma só bomba."

O Kansas City Star ia mais longe: "Temos nas mãos uma invenção que pode varrer a civilização." Anotou o almirante William Leahy, chefe do estado-maior interarmas: "As potencialidades letais do bombardeamento atómico são assustadoras. De momento, somos o único detentor da arma. Mas eventuais inimigos vão adquiri-la e provavelmente utilizá-la contra nós."

Na França, Le Monde escolheu uma abordagem optimista e titulou: "Uma revolução científica - Os americanos lançam a sua primeira bomba atómica sobre o Japão."

Hiroxima deixou um legado à humanidade: um tabu, que a defendeu durante o "equilíbrio do terror" e que se prolonga hoje ainda, na era da ameaça de proliferação nuclear.

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