Hipocondria está na origem de grande parte dos pedidos de consulta

Considerado um dos maiores especialistas mundiais em distúrbios da ansiedade, o investigador britânico Paul Salkovskis chamou ontem a atenção para a preponderância da hipocondria - ansiedade relativa ao estado de saúde, caracterizada pela convicção de que se sofre de uma doença grave - enquanto causa de afluência dos utentes às unidades de saúde. No Hospital Psiquiátrico do Lorvão (HPL), nos arredores de Coimbra, aquele investigador revelou que dados recentes, relativos ao Reino Unido, relacionam a hipocondria com 30 a 80 por cento dos pedidos de consulta dirigidos às diversas instituições de saúde por pessoas que buscam uma "desconfirmação", um alívio temporário, da doença de que imaginaram padecer. E acrescentou não ter motivos para acreditar que a situação seja diferente em Portugal.A este argumento, de significativas implicações económicas e funcionais para os serviços de saúde, o investigador da Universidade de Oxford e do King's College, de Londres, acrescentou outro, mais dramático, no apelo que fez aos psicólogos e autoridades para reconhecerem a gravidade da hipocondria: o de que a prevalência de suicídios entre os hipocondríacos não tratados é cinco vezes superior à do resto da população.Convidado pelo HPL a dirigir dois "workshops", sobre hipocondria e a perturbação obsessivo-compulsiva (POC), Salkovskis aconselhou as dezenas de psicólogos presentes a não descurarem a necessidade de fornecer ao doente uma explicação consiste e alternativa à doença para os sintomas que este experimenta.Quanto à POC, outro distúrbio da ansiedade, caracterizado por pensamentos "inadequados" dos quais o doente não se consegue libertar, Paul Salkovskis experimentou um exercício com a assistência. "Quantas pessoas acreditam que têm o poder de fazer com que algo aconteça, só por o escreverem num papel?", perguntou. Como ninguém se acusou, Salkovskis convidou, então, os participantes a escreverem, numa folha de papel: "Desejo que fulano (a pessoa que mais amavam) morra hoje, barbaramente assassinado". Apenas quatro pessoas cumpriram a tarefa.Paul Salkovskis pretendia demonstrar que mesmo as pessoas saudáveis assumem comportamentos de "evitamento" típicos da POC. "É uma reacção normal, não é sinal de qualquer doença mental", sublinhou o investigador, insistindo na necessidade de o terapeuta compreender o paciente e respectivos pensamentos intrusivos, por menos razoáveis que pareçam. "O medo de não resistir ao impulso de espetar uma faca no adorável bebé que ama, nascido há apenas dois meses, pode parecer menos estranho, quando vemos que essa mãe é um mulher sozinha, cansada e que tem medo de não dar conta do recado".Estima-se que a POC, responsável por comportamentos rituais, como o lavar as mãos centenas de vezes ao dia - com a Lady Macbeth, de Shakespeare, atormentada pelo sentimento de culpa -, afecte 2,3 por cento da população, cerca de metade da prevalência da hipocondria.Para ambas as patologias, Salkovskis apontou a terapia cognitivo-comportamental (TCC), orientada para a modificação de comportamentos e crenças como a abordagem mais eficaz. Recordou que, ao contrário do que havia sido inicialmente anunciado, os anti-depressivos habitualmente prescritos nestes casos - os inibidores da recaptação da serotonina (substância de que depende a sensação normal de bem-estar do indivíduo) - revelaram-se adictivos e susceptíveis de provocar depressões graves, quando abandonados. À margem dos "workshops", Salkovskis declarou ao PÚBLICO que os último estudos revelaram que o tratamento mais eficaz da POC não é o que combina a TCC com fármacos, mas sim o que alia a TCC à prescrição de um placebo...O investigador salientou ainda os resultados encorajadores das "terapias intensivas" de tratamento da ansiedade em geral, mais dispendiosas para o Estado e utentes no curto prazo, mas nem por isso menos económicas no cômputo geral. Salkovskis afirmou que estas terapias mais incisivas conseguem debelar a POC em apenas três dias, e algumas fobias em poucas horas, rejeitando a ideia, muito frequente, de que os distúrbios da ansiedade não têm cura: "Há é falta de psicólogos clínicos e demasiados tratamentos estúpidos por aí", contrariou.

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