Cerca Moura de Lisboa afinal é romana

Duas arqueólogas da Câmara de Lisboa acabam de confirmar que a chamada "Cerca Moura", a muralha que, em 1147, defendeu a cidade muçulmana dos cruzados cristãos chefiados por D. Afonso Henriques, foi, afinal, construída pelos romanos.Considerado pelas próprias e por outros arqueólogos como uma descoberta "de grande importância científica", este achado resultou de uma intervenção de emergência na colina do Castelo que durou cerca de dois meses e terminou na passada quinta-feira. "O mais importante foi determinarmos, com testemunhos arqueológicos concretos, que a muralha foi construída pelos romanos, pois ainda não se sabia, com certeza, qual a sua origem, teorizando-se sobre uma autoria romana, visigótica ou islâmica", diz a arqueóloga Manuela Leitão, do Museu da Cidade. "Desta vez, encontrámos materiais romanos associados à muralha." Mas a maior surpresa desta investigadora ocorreu quando foi detectada, em plena Rua de São João da Praça, junto à Sé, uma torre da muralha "semicircular, como era comum entre os romanos". É mais um contributo para a definição da importância da antiga Olissipo, já patente na Lisboa contemporânea em estações arqueológicas como o criptopórtico da Baixa, o teatro romano da Rua de São José ao Caldas, o núcleo da Rua dos Correeiros, o circo detectado no Rossio ou ainda as termas da Rua das Pedras Negras. A Cerca Velha, ou Cerca Moura, foi agora observada no subsolo da Rua de S. João da Praça, em parte de um troço que desce das Portas do Sol pelas Escadinhas do Miradouro de Santa Luzia e pelo Pátio da Murça (dois locais onde é visível), para descer ao Chafariz de El-Rei e seguir paralelamente à Rua dos Bacalhoeiros. Por altura da Igreja da Conceição Velha, junto ao Terreiro do Paço, volta a subir para o Castelo. "O mais provável é que se trate de uma muralha tardo-romana", diz a especialista, explicando que os centros urbanos romanos tinham normalmente duas muralhas - a imperial, que surge no primeiro ou segundo século depois de Cristo, e a tardo-romana, um amuralhamento que prolifera no século seguinte, devido às invasões dos povos do Norte da Europa.As duas arqueólogas - Manuela Leitão e Cláudia Costa - estão entusiasmadas com o trabalho, feito em condições difíceis e até perigosas. E insistem em que tiveram a melhor das colaborações dos pelouros municipais envolvidos na obra de saneamento que permitiu os achados. Não admira: o sítio revelou ser "um manancial"."Estamos felizes, mas é uma felicidade parcial", diz Manuela Leitão. Primeiro, explica, porque foi "uma sondagem muito pequenina", feita durante obras de emergência destinadas a conter os terrenos de São João da Praça, em risco de aluimento - o que obrigou à cobertura do sítio arqueológico "numa altura crucial". "É uma pena não se poder ver", acrescenta, admitindo a possibilidade de novas pesquisas na Primavera. Por agora, o Museu da Cidade e o Gabinete Local de Alfama e Colina do Castelo estudam a hipótese de marcar o traçado da muralha no pavimento (que vai ser reaberto ao trânsito) enquanto as arqueólogas projectam mostrar os seus achados aos moradores da zona. "É uma forma de retribuírmos o seu acolhimento e o entusiasmo que manifestaram perante o nosso trabalho", explica. As investigadoras entendem que a identificação da origem da Cerca Velha tem particular valor para o estudo do urbanismo da cidade romana - "um puzzle que ainda não está todo montado e que é muito difícil de reconstituir". Esperam regressar "ao local do crime", mas admitem dificuldades. "Há a ideia antiga de retirar o trânsito da zona e esta descoberta é mais um argumento em favor disso. Mas trata-se da rua que comporta maior número de viaturas no bairro e parece ser muito complicado arranjar alternativas. De qualquer modo, pensamos que uma segunda intervenção não traria um grande incómodo aos moradores, embora exija um corte do trânsito automóvel. A câmara ainda estuda o que será possível fazer", dizem.

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