Sete horas para encontrar bebé raptado

O caso da recém-nascida raptada anteontem da Maternidade Alfredo da Costa teve um final feliz. Em apenas sete horas de investigação, a PJ descobriu a presumível autora do crime e a bebé, numa casa em Arroja, Odivelas. O PÚBLICO conta a história da mulher que ludibriou a segurança e as enfermeiras da maternidade fazendo-se passar por inspectora da Saúde, lembra que o crime é recorrente, e traça um perfil-tipo das raptoras de bebés.

Ontem à tarde, Susana Viegas, a mãe da bebé raptada quarta-feira da Maternidade Alfredo da Costa, ainda estava muito combalida física e psicologicamente - diz a sogra, que só muitas horas depois de passar o efeito da anestesia "se apercebeu com clareza do que se passou" com a pequena Bruna, nascida de cesariana pela manhã, roubada à tarde por uma senhora de bata branca, que se fez passar por inspectora do Ministério da Saúde. O pai, Pedro Manuel, de apenas 22 anos, trabalhador numa fábrica de materiais de construção civil, mantém-se mudo, chocado ainda com tudo o que aconteceu. Os avós dão graças a Deus - e à Polícia Judiciária - por terem de volta, e em perfeito estado de saúde, a Bruna, "três quilos e trezentas, 49 centímetros de altura, loirinha, olhinho azul como o pai". "Felizmente, tudo acabou em bem", suspiram familiares, médicos e enfermeiros da maternidade. A Direcção Central de Combate ao Banditismo (DCCB) da Polícia Judiciária encontrou ontem, cerca das 5h30, a bebé, em casa da alegada raptora, que actualmente residia na Arroja, Odivelas. Segundo Orlando Romano, director da DCCB, a criança foi encontrada "muito bem tratada", a dormir num berço. A mulher, de 43 anos, auxiliar de enfermagem, no desemprego, sem antecedentes criminais, terá simulado uma gravidez durante nove meses, alegadamente devido ao desejo de dar ao seu actual companheiro um filho. Orlando Romano garantiu que, aparentemente, a família da alegada raptora, que se encontra detida para ser presente a tribunal, não sabia das suas intenções nem terá tido qualquer participação nos acontecimentos.A mulher, que tem dois filhos do anterior casamento, ao saber que não podia voltar a engravidar, resolveu simular a maternidade, provavelmente com a intenção de cimentar a relação recente que mantinha com o actual companheiro.Na terça-feira, um dia antes do rapto, já terá passado o dia na Maternidade Alfredo da Costa, apresentando-se como inspectora do Ministério da Saúde, e tendo-se mesmo identificado com um cartão dessa entidade. O facto, apesar de não ser comum, não levantou qualquer suspeita na unidade hospitalar, tendo-lhe sido conferida toda a liberdade de movimentos, até porque a mulher revelava nítidos conhecimentos na área da saúde. Na quarta-feira de manhã, regressou à maternidade e aí, já com uma bata cedida por uma enfermeira, e com a percepção do espaço adquirida na véspera, não foi difícil passar despercebida. Entre as 18h30 e as 19h00, dirigiu-se ao berçário e tirou a criança mesmo dos braços da mãe, alegando que a bebé tinha de ir fazer "o teste do pezinho", tendo então abandonado o hospital sem levantar qualquer suspeita.Só mais tarde, quando o pai da recém-nascida se apresentou para visitar a filha, pelas 19h00, é que se começou a perceber o que tinha acontecido. A criança não estava no berçário, não estava no quarto com a mãe, não estava a fazer exames, não estava em parte nenhuma. O alarme foi dado já depois das 20h00, tendo a PSP comparecido no local, para logo depois ceder a investigação à PJ, que começou a actuar já perto das 22h00.Como é que os agentes da DCCB chegaram à alegada raptora com tanta rapidez, não foi explicado por Orlando Romano. Aquele responsável limitou-se a informar que "através dos elementos e das pistas recolhidos na maternidade" e de conversas tidas com algumas pessoas foi possível fazer a identificação da mulher.Este é apenas o último de uma série de casos semelhantes ocorridos nas maternidades portuguesas. E por isso não se pode dizer que as administrações das unidades hospitalares não estejam sobreavisadas. Um dos mais recentes, em 1991, no Hospital de Santa Maria (uma mulher fez-se passar por médica durante mais de um dia e raptou também um recém-nascido), fez inclusive abanar o Ministério da Saúde, que pressionou de imediato os conselhos de administração das maternidades Magalhães Coutinho e Alfredo da Costa a contratarem empresas privadas de segurança. O antigo director da Maternidade Alfredo da Costa, Luís Barroco, interrogado na altura pelo "Semanário" sobre a possibilidade de o mesmo vir a acontecer naquela unidade, responderia ser "praticamente impossível" porque todas as pessoas se conhecem, e uma falsa médica seria facilmente desmascarada. "Que tal pudesse eventualmente suceder através de uma visita (há cerca de 600 diárias), não seria impossível; através de uma pessoa que vestisse uma bata e pusesse o estetoscópio, não", garantiu então.Mas o que é certo é que nove anos depois uma senhora, com uma bata branca, rompeu a segurança da Alfredo da Costa, não uma, mas duas vezes - visto ter ali entrado disfarçada dois dias. José Vicente Pinto, actual director da maternidade, reconhece ter havido uma falha, embora não saiba onde, nem quais as medidas que não funcionaram devidamente, preferindo aguardar pelas conclusões da investigação da Judiciária e pelo relatório do inquérito entretanto requerido à Inspecção-Geral de Saúde, para melhorar o controlo de entradas.Vicente Pinto sabe, contudo, que não foi seguido o procedimento normal nestas situações. "A Inspecção-Geral de Saúde é muito rigorosa nestas coisas e envia-nos sempre, com antecedência, um ofício a avisar que no dia tal, às tantas horas, a pessoa tal inspeccionará as nossas instalações. A administração comunica depois isso aos funcionários, que deverão conferir os elementos". Desta feita, isso não aconteceu. A mulher apresentou-se como inspectora e ninguém desconfiou sequer de não existir um aviso prévio sobre a sua diligência.

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