A voz do "Terror Agonizante"

O autor confesso do duplo homicídio de Ílhavo é vocalista e guitarrista de uma banda de "death metal" que responde pelo sugestivo nome de "Agonizing Terror" (terror agonizante). Mas embora a Judiciária tenha falado em "crime eventualmente praticado em quadro de liturgia de grupo", não é ainda certo que o caso esteja associado a "rituais satânicos".

A população de Vale de Ílhavo nunca viu algo semelhante. Aliás, somando as coincidências e especulações aos factos, Portugal nunca terá visto nada semelhante ao que presumivelmente se passou na Rua Pior Valente, número 60, no concelho de Ílhavo. António Jorge está desde anteontem detido em regime de prisão preventiva depois de ter confessado que assassinou os pais à facada na madrugada da passada quinta-feira. "Um crime eventualmente praticado em quadro de liturgia de grupo" - esta foi a expressão utilizada pela Polícia Judiciária de Aveiro que deu novos contornos a este duplo homicídio. Um crime que, assim, ficou implicitamente associado a "rituais satânicos". Ao confesso homicida, todos o conhecem por "Tó Jó". Tem 23 anos e, até há uns meses atrás, uma das poucas coisas que o distinguiam da maioria dos jovens era o facto de ser o vocalista e guitarrista de uma banda de "death metal" que respondia pelo sugestivo nome de "Agonizing Terror" (da banda fazem parte mais três elementos, entre os quais Sara, a baterista e mulher de António Jorge). "É um nome que tem muito a ver connosco", segundo explicam os membros do grupo numa entrevista disponível na Internet. A conversa transcrita "on-line", que terá ocorrido em Dezembro de 1998, acrescenta que as primeiras propostas para baptizar a banda - que nasceu em 1993 - baseavam-se em títulos não menos sugestivos: "Pain Possessed" e "Obnoxious Odium". Quanto à "mensagem" que pretendem "transmitir" nas suas produções sonoras, que já deram origem a duas gravações - "Disarmony in God's Creation", de 1995, e "Ways of Existence", de 1997 -, baseia-se na "existência do ser, naquilo que haverá para além da morte", e é disso que as suas letras falam: morte, violência, ódio. Sem nunca ter sido notada no panorama musical, apesar do reconhecimento que parece ter no meio restrito do "death metal", a banda "Agonizing Terror" não passará mais despercebida. Foi este passado musical sombrio que em muito contribuiu para que, associado à expressão utilizada pela PJ, se explorasse a possibilidade de o crime de Vale de Ílhavo estar relacionado com "rituais satânicos". A este cenário juntaram-se ainda os comentários da vizinhança sobre o "aspecto sinistro" do filho único de Jorge Santos, médico do Centro de Saúde de Ílhavo, e de Maria Fernanda Machado. O rapaz adoptou o visual típico do género musical que representa: longos cabelos, roupas pretas e cruzes ao pescoço. De acordo com uma fonte ligada à investigação, as questões que terão levado ao uso da expressão "liturgia de grupo" prendem-se apenas com os factos revelados por António Jorge na altura da confissão do crime. Segundo a mesma fonte, no local do duplo homicídio não foram encontrados quaisquer indícios de práticas ou rituais satânicos, tais como velas e crucifixos, mas apenas alguns documentos assinados pelo pai do alegado assassino que continham "frases estranhas relacionadas com o além e com a morte". Assim, terá sido o próprio António Jorge que confessou também a sua simpatia pelas práticas e rituais do "satanismo", envolvendo supostos "outros elementos" de um grupo alegadamente organizado. De acordo com fonte da PJ, na sequência das declarações de António Jorge já foram ouvidos os outros elementos da banda, bem como outras pessoas eventualmente ligadas ao caso. Todavia, não foi efectuada qualquer detenção. "O filho do casal é o único suspeito", revelou ao PÚBLICO a mesma fonte, acrescentando, no entanto, que a investigação ainda não terminou e admitindo que poderão ser efectuadas novas detenções. Por outro lado, as explicações das entidades policiais parecem encaminhar-se para factos bem mais terrenos. Segundo uma fonte policial, um dos cenários alternativos prováveis é o facto de "António Jorge ter visitado os pais para pedir dinheiro, como era seu hábito, e ter perdido a cabeça". "É um exagero este tipo de ideias de que se fala agora", comentou a fonte policial, afastando a hipótese do "o dedo de Satanás estar envolvido no caso". Aliás, de acordo com as "regras" do satanismo, que envolvem três tipos de "rituais mágicos" - magia sexual, ritual de cura ou felicidade e ritual de destruição -, os sacrifícios humanos ou de animais "não são permitidos", considerando-se ainda que "o sangue retirado de uma vítima é inútil. As vítimas são mortas simbolicamente, não de verdade". Refira-se que o duplo homicídio terá ocorrido entre a uma e as três da manhã do dia 12, o que levou a que se abordasse a hipótese de "um sacrifício humano face ao eclipse do dia 11". O corpo de Maria Fernanda Machado encontrava-se no rés-do-chão da casa, no "hall" de entrada. Ao que tudo indica, a vítima terá sido arrastada para este local após sofrer graves ferimentos - provocados por diversos golpes na parte superior do tronco - ainda no exterior da residência, no acesso à garagem, para onde supostamente terá fugido em busca de ajuda. Jorge Santos foi encontrado numa sala situada no primeiro andar da moradia, de roupão, tendo também sofrido vários ferimentos fatais causados por uma arma branca. Na altura, admitia-se a hipótese de o filho se encontrar de férias e incontactável. Mas, no domingo, a PJ de Aveiro conseguia localizar António Jorge e, ainda no mesmo dia, acompanhava-o numa visita à residência dos pais, mostrando-se este "muito chocado com toda a situação". No dia seguinte, e segundo o comunicado oficial da PJ, "Tó Jó" confessava o crime. Desde ontem, o alegado homicida encontra-se detido em regime de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Aveiro, onde irá aguardar julgamento.

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