De Sacramento para o mundo

É um começo promissor. Mas é também, e sobretudo ouvindo o entusiasmo que gerou na crítica americana, um tanto decepcionante.

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A estreia na realização de Greta Gerwig, que enquanto actriz — e por exemplo nos filmes de Noah Baumbach, Greenberg e sobretudo Frances — se tornou uma das maiores vedetas da cena indie americana da última meia-dúzia de anos. Lady Bird, que Gerwig escreveu e dirigiu mas não interpreta, foi uma grande sensação crítica no EUA, logo seguida por várias nomeações para os recém-entregues Óscares, embora sem recompensa à altura das expectativas (acabou por não ganhar nenhum).

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O ambiente narrativo é típico dum primeiro filme, relata uma despedida da adolescência e uma entrada na vida adulta, ou pelo menos numa vida independente do reduto familiar, com mais que prováveis toques autobiográficos. É a história de Lady Bird (Saoirse Ronan), miúda do “lado do errado dos carris” de Sacramento, e do seu desejo de frequentar uma universidade longe dali, mais próxima dos grandes centros “intelectuais” da Costa Leste. Sacramento, cidade sem o glamour de outras cidades californianas, é logo eleita, no pré-genérico, à condição de “protagonista”, através de uma citação de Joan Didion não muito abonatória para o sítio. E a piada sobre o “lado errado dos carris”, repetida ao longo do filme, se tem uma expressão concreta (a casa da miúda é perto da linha férrea), também sinaliza um dos aspectos mais curiosos do filme, e apesar de tudo raro no cinema americano, a sua preocupação com um complexo de classe — a família de Lady não tem dinheiro, a questão económica é central no filme enquanto entrave ao acesso a um mundo bem mais apelativo.

É um filme escrito com uma elegância e uma jovialidade a que não falta uma certa panache. Os diálogos são vivos, a caracterização das personagens é abundante em pormenores discretos mas certeiros (por exemplo os pais, a óptima dupla formada por Laurie Metcalf e Tracy Letts), o  tom “reflexivo”, onde a “acção” vai sempre acompanhada do respectivo “comentário”, é mantido do princípio ao fim com vigor e coerência. A multiplicação de personagens e situações, num vai e vem suportado por uma montagem rápida e despachada que nunca se demora muito e que usa os tempos de corte como um forma de aceleração, sugere diversas vezes um encontro entre os filmes de adolescentes à la John Hughes e aqueles Woody Allens de “série B”, velozes e episódicos. Em termos de factura tudo está certo. O problema está no excesso de leveza. Essa leveza é procurada, claro, tanto enquanto questão de “tom” como enquanto forma de “conter” o filme, de o equilibrar entre um humor e uma gravidade nunca muito exuberantes nem muito dramáticos. Mas sente-se que o filme precisava de qualquer elemento que lhe desse outro corpo, outro peso. A prova disso é que, se não há um momento de fastio durante o tempo da sua projecção, cinco minutos depois de terminada a memória começa a ter dificuldades em restitui-la, e o filme vai “desaparecendo” como se não tivesse sido capaz de se constituir em “objecto”, sólido e palpável. É um começo promissor. Mas é também, e sobretudo ouvindo o rumor entusiasmado que gerou na crítica americana, um tanto decepcionante.

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