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Peregrinação, de João Botelho: um conjunto de esboços a que falta um golpe qualquer para unificar tudo e conferir a tudo um sentido último.

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Quantas maneiras há de filmar a Peregrinação, quantos filmes (e quais filmes) se podem fazer com o texto de Fernão Mendes Pinto? Esta adaptação de João Botelho, que vem na sequência de outros filmes baseados em textos fundamentais da literatura portuguesa, como o Filme do Desassossego e Os Maias (para não falar das várias incursões de Botelho por este património em momentos diferentes da sua obra), parece a certa altura fazer estas perguntas, e funcionar como se estivesse a propor respostas práticas. E entre elas, é como se só uma hipótese estivesse liminarmente excluída, a do épico solenemente patriótico à la cinema do Estado Novo, com que a Peregrinação de Botelho em momento algum se parece. Para lá disso, a resposta que o filme dá é: muitas, há muitas maneiras de filmar a Peregrinação.

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Filmar, por exemplo, e num aspecto que muito se liga a preocupações antigas da obra de Botelho, o texto tomado na sua materialidade, o atrito causado pela relação com a dicção e o registo dos actores, o imaginário nele contido e a sua reprodução em forma de espectáculo. É, digamos, o lado “oliveiriano” de João Botelho, que aproxima Peregrinação de alguns momentos em que Manoel de Oliveira se dedicou a encenar, com aqueles tipos de artifício e vacilação do “real” de que só ele tinha o segredo, momentos determinantes da história de Portugal e, sobretudo, dos seus relatos – pensamos num filme como Non ou a Vã Glória de Mandar, e particularmente, por razões de contexto histórico, no segmento baseado na Ilha dos Amores. Ou então, mais surpreendente, pegar no texto pelas peripécias, pelo relato aventuroso, como se fosse ocasião para um swashbuckler à portuguesa, uma resposta lusitana aos Piratas das Caraíbas (quando Cláudio da Silva aparece no alter ego pirata de Fernão Mendes Pinto as semelhanças físicas com Johnny Depp são mais que muitas, o que pode ser coincidência mas também pode não ser…), completa com o maravilhoso exótico e tudo (os planos da natureza, paisagens, animais, filmados in loco em terras asiáticas). Ou finalmente, a melhor ideia de todas: o musical, a partir das canções de Fausto do Por Este Rio Acima (um disco que, de certa forma, é também uma “adaptação” da Peregrinação), que aqui funcionam com um coro, simultaneamente “dentro” e “fora” do arco narrativo.

Tantas ideias, tantas hipóteses: é finalmente o que torna Peregrinação uma experiência frustrante, o filme parecer esvoaçar entre todas as suas possibilidades sem abocanhar decididamente nenhuma, a sua imaginação a desembocar num conjunto de esboços a que falta um golpe qualquer para unificar tudo e conferir a tudo um sentido último.

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