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A história verídica de um ex-activista pelos direitos LGBT que renegou tudo e se tornou um activista contra os homossexuais e a homossexualidade.

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O Meu Nome é Michael é um biopic complacente

O Meu Nome é Michael baseia-se na história verídica de um ex-activista pelos direitos LGBT que, depois de ter atingido alguma notoriedade (nomeadamente como fundador e director de revistas votadas à causa), renegou tudo, converteu-se a uma vida straight, e tornou-se um activista contra os homossexuais e a homossexualidade.

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O filme abre com a personagem (a cargo de James Franco) já nesta pele (embora nessa cena inicial ainda não possamos compreender muito bem o contexto), a receber um jovem adolescente de allure muito “gusvansantiana” (Gus van Sant é produtor do filme de Justin Kelly) perturbado pelos seus instintos sexuais, e dizendo-lhe qualquer coisa como “não existe uma identidade homossexual”.

A ironia é que, depois de o filme retomar o fio à meada, essa ideia (de que a “identidade homossexual” é uma construção conceptual, até relativamente recente na história da humanidade) volta a aparecer no discurso da personagem, mas agora em tom apologético e libertador, como que indiciando que o fulcro do filme, através da sua personagem que passa de um extremo a outro, está menos na questão da homossexualidade do que nos discursos e na linguagem com que ela é contemporaneamente caracterizada, seja para a defender seja para a atacar. “Indiciando”, escrevemos acima, mas se alguma coisa se “indicia” seria outro filme, não este.

O Meu Nome é Michael não é uma “comédia da linguagem”, muito menos uma sex comedy sobre gente a reprimir os seus impulsos, é mais um biopic complacente que, apesar da sua atitude ser obviamente crítica (como o indicia logo, e agora com rigor, o envolvimento de Gus van Sant), parece genuinamente interessado em compreender aquela personagem e os seus demónios (que misturam religião, medo da morte e, sobretudo, do Inferno supostamente destinado aos gays) sem a transformar numa criatura odiosa. Infelizmente, e talvez James Franco tenha alguma culpa disso (actor um bocado liso de mais para o papel), há sempre menos personagem — e menos “abismo” — do que deveria haver, e depois de uma primeira parte onde tudo é alegremente gay (e que parece uma versão monocórdica e desinspirada do Milk de van Sant) o filme passa sem fricção de monta ao seu oposto, para o retrato do homossexual complexado a negar-se a si e ao seu desejo. Se o filme é um pouco melhor (mais sombrio, mais cerrado) nessa segunda parte, faltam a Justin Kelly as unhas para dar as reverberações da história com outro tipo de contundência. Salva-se o derradeiro plano, Michael a arfar num ataque de ansiedade, como se estivesse a começar um filme de terror. Mas, mais uma vez, esse filme não é este.

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