Orçamento volta de férias com greves à porta. Só Centeno tem a chave

A menos de dois meses de eleições e quando recomeçam as negociações do Orçamento do Estado de 2018, aumenta a contestação sindical e política no sector do Estado. Mas só Centeno tem a chave do cofre.

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Todas as contas e negociações do Orçamento do Estado passam pelo crivo do ministro das Finanças, Mário Centeno Daniel Rocha

António Costa relança esta terça-feira as negociações sobre o próximo Orçamento do Estado, com mais pressão dos seus parceiros para que o Governo aceite desapertar o cinto. Com as eleições autárquicas marcadas para 1 de Outubro, há desta vez vários avisos de greves em sectores do Estado que parecem abalar a paz social existente desde a entrada em funções do executivo chefiado por António Costa.

As greves pré-anunciadas têm contextos diversos e reivindicações díspares, mas têm um elemento em comum: todas elas resultam de negociações de várias carreiras em ministérios centrais na actuação do Estado, em que os respectivos ministros não tiveram margem política nem orçamental para travar os protestos. Se os sindicatos reclamam revisão das carreiras e dos respectivos salários, todas as conversas têm acabado sem cedências do executivo - sobretudo sem luz verde das Finanças para as reivindicações.

As conversas com os ministérios duram há meses. Mas todos sabem que as reivindicações coincidem com o que Mário Centeno está a preparar para 2018: o início do descongelamento das carreiras. Problema: no quadro que serve de base ao OE2018 só há 200 milhões disponíveis. Muito pouco para tantos pedidos.

Para já, está confirmada a greve do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (quinta e sexta-feira) e a da Carris (dia 31). Mas há mais uma reunião marcada com os médicos, outra com os técnicos de enfermagem, magistrados do Ministério Público e juízes. Se os médicos já fizeram uma primeira paralisação, ameaçam com a segunda. Na justiça, o pré-aviso está marcado para depois das autárquicas - ainda antes do Orçamento ser apresentado.

Coreografia política

No núcleo mais político do Governo o discurso foi preparado para travar a pressão - e dar espaço às Finanças para tomar as decisões. Na entrevista ao Expresso de sábado, António Costa foi directo: “O aperto que a sociedade sofreu todos os sectores nas últimas décadas, em particular durante os quatro anos da última legislatura, causa enorme pressão. É natural que as pessoas queiram já tudo. Não será possível já, nem tudo”.

Certo é que planos negociais se cruzam. As lutas sindicais são muitas vezes influenciadas pelos partidos da esquerda parlamentar. Sobretudo o PCP, através da CGTP, mas também em alguns sectores laborais o BE, desempenham uma tutela política sobre o sindicalismo e as reivindicações laborais.

Isto é tanto verdade quanto, durante os dois últimos anos, a sua participação na solução governativa e a capacidade de influenciar medidas de governação, principalmente através das negociações dos Orçamentos do Estado, foram a garantia de uma inédita pacificação no que respeita a reivindicações e lutas laborais, que garantiram dois anos de paz social.

É, em parte, pela existência real dessa influência do PCP e também do BE sobre o sector sindical que é normal que essa paz social seja parcialmente suspensa em vésperas de eleições autárquicas e de negociações de orçamentais. É por isso que o Governo vê como normal e previsível o aumento das reivindicações laborais em paralelo com o crescendo da reivindicação política em torno dos conteúdos orçamentais para 2018 por parte do BE e do PCP.

É no fundo aquilo que um membro do Governo caracterizou ao PÚBLICO como a “coreografia” própria da aliança política que existe, em que a explicitação pública das divergências entre PS, PCP e BE permite a manutenção oleada do consenso sobre os poucos conteúdos programáticos em que estão disponíveis para colaborar.

Além disso, a realização de autárquicas a 1 de Outubro, obriga PCP e BE a procurar criar espaço político eleitoral. Sobretudo os comunistas com uma forte implantação no poder local que querem ampliar, mas também o BE agora apostado em abrir caminha na conquista de vereações que lhe permita criar uma rede autárquica própria. Ora, para o conseguirem, precisam de criar a imagem de um clima de afastamento em relação ao Governo num momento em que vão medir forças nas urnas e não podem deixar o PS disparar eleitoralmente. É a real necessidade de criação de espaço político em momentos de disputa ou de negociação.

A almofada da folga

Mas não só a luta eleitoral serve de contexto às reivindicações sindicais, as negociações em torno do OE2018 obrigam a que seja demonstrada uma pressão reivindicativa. Para mais quando é manifesta a melhoria da situação económica do país, com o Instituto Nacional de Estatísticas a anunciar a semana passada que o PIB cresceu 2,8% durante o segundo trimestre do ano, tal como acontecera no primeiro trimestre, deixando prever um crescimento anual em 2017 em torno dos 2,5%, muito além dos 1,5% previstos pelo Governo no Orçamento deste ano e também dos 1,8% apontados em final de Abril no Programa de Estabilidade.

Perante a expectativa do crescimento económico sobe a parada da reivindicação orçamental do PCP e do BE. Talvez prevendo isso mesmo, o primeiro-ministro, António Costa, anunciou há meses, quando Portugal saiu do procedimento por défice excessivo que a folga orçamental que restaria em 2017 não seria para queimar em 2018, mas para permitir uma almofada de segurança orçamental ao país.

Daí que o Governo esteja a esfriar as expectativas sobre as grandes reivindicações orçamentais do PCP e do BE ou sindicais. A ementa do OE2018, já se sabe, terá apenas dois pratos principais: o descongelamento progressivo das carreiras da função pública e o aumento de quatro para cinco dos escalões do IRS. Já como sobremesa, será servido por António Costa um aumento do investimento no sector da saúde e no da educação. O problema é sempre saber qual é a margem disponível.

Dono da chave

Central nas negociações será Mário Centeno, o ministro das Finanças cujo sucesso na tentativa de equilíbrio das contas públicas o tem dado como colocado já na pole position para chefiar o Eurogrupo, em substituição de Jeroen Dijsselbloem. É ele quem ditará os limites. Assim, como é e tem sido Centeno quem determina os limiares de negociação em relação às várias reivindicações das greves anunciadas, bem como de outras lutas laborais em curso. Em suma, é Centeno quem é dono da chave do cofre.

Por isso, todas as negociações sindicais, quando atingem a fase determinante, ocorrem no Ministério das Finanças, quer seja sobre médicos quer sobre professores, os respectivos ministros da tutela acabam sempre por reunir na sede da equipa das Finanças. Um exemplo claro do poder negocial que Costa entregou a Centeno aconteceu há duas semanas: com os sindicatos dos médicos a subir o tom das críticas, as negociações passaram para o Ministério das Finanças. Centeno esteve presente, numa equipa do Governo que tinha sete elementos: quatro das Finanças, três do Ministério da Saúde. O encontro acabou sem avanços.

E não é só por ter o OE na mão que Centeno tem este poder. É que tudo o que diz respeito à Administração Pública está sob tutela das Finanças, onde funciona a secretaria de Estado da Administração e do Emprego Público, agora ocupada por Fátima Fonseca. Um desenho de estrutura de Governo que poderá mudar, mas só em 2019 (se o PS permanecer no Governo).

Como o PÚBLICO noticiou, a ideia é passar a tutela da Administração Pública para o Ministério da Presidência do Conselho de Ministros e da Modernização Administrativa de forma a valorizar e dignificar o estatuto dos trabalhadores do Estado e que estes deixem de ser vistos apenas como o sector onde é possível cortar na despesa do Estado.

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