Os 75 anos de Caetano Veloso em sete canções

É impossível representar numa lista a obra de um artista como Caetano Veloso. No entanto, para comemorar, escolhemos sete canções que dizem muito sobre a obra deste grande cantor e compositor da MPB.

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Caetano Veloso no Coliseu do Porto, em Abril deste ano Nelson Garrido

Um belo dia, José Telles Velloso decidiu colocar um bilhete da lotaria debaixo da almofada do filho recém-nascido. Algum tempo depois, quando saiu o resultado da aposta, a ideia mostrou-se bastante acertada: não só José saiu vitorioso, como a história viajou de boca em boca, por quase 70 anos, até ser contada por Caetano Veloso, o então recém nascido, na abertura do documentário Caetano Veloso 70 anos, em que o cantor e compositor brasileiro narra os principais momentos da sua história, que começa em 1942, em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, e nesta segunda-feira completa 75 anos de existência.

A infância

Caetano nasceu numa casa repleta de mulheres. Além da mãe, Dona Canô, ele tinha três irmãs mais velhas e mais algumas tias e primas que viviam por perto. Quando estava prestes a completar quatro anos, Caetano ainda teve mais uma irmã, mas dessa vez o sortudo foi ele. Num sorteio familiar, o caçula conquistou o direito a baptizá-la com o título de uma de suas canções favoritas na época: Maria Bethânia.

Além de um interesse evidente pela música  afinal não é qualquer miúdo que aos quatro anos gosta tanto uma música ao ponto de a transformar no nome de uma irmã quando era pequeno, Caetano adorava desenhar. As calçadas de Santo Amaro eram largas e ele aproveitava pedaços de carvão para desenhar no chão. Depois a chuva vinha, lavava a rua e as cenas iam se repetindo até que, aos nove anos, entre as aulas de piano com Dona Aidil, uma senhora que ensinava música na região, veio aquela que pode ser considerada a sua primeira composição, “um baiãozinho em dó menor” que anos depois, em 1992, integraria parte do arranjo da música Livros.

A melodia do primeiro “baiãozinho” composto por Caetano pode ser ouvida a partir do minuto 1:21.

A adolescência

Quando tinha 14 anos, em 1956, Caetano teve que passar um ano no Rio de Janeiro. Nessa altura, uma das coisas de que ele mais gostava era ir até à Rádio Nacional ver a gravação dos programas que eram palco dos grandes nomes da música popular da época. Depois de algum tempo, chegou a hora de voltar para Santo Amaro e as saudades de casa, especialmente da mãe, eram muito fortes. Assim, Caetano sonhava com um reencontro emocionado, mas ao chegar percebeu que vida seguia e que, portanto, havia a emoção do regresso, mas sem a catarse que ele imaginara. “Eu voltei e era vida normal”, revela.

“No dia em que eu fui-me embora, não teve nada demais”, canta Caetano no seu segundo álbum, a descrever o dia em que deixou a casa dos pais.

A juventude

Em 1960, Caetano muda-se para Salvador com sua irmã, Bethânia, para continuar os estudos na capital baiana, já encantado com a música de João Gilberto e as produções de Millôr Fernandes, artistas que ele considerava profundamente modernos. Pouco tempo depois, no meio da efervescência cultural que a cidade oferecia, os irmãos conheceram Gilberto Gil e Gal Costa.

Pela televisão, Caetano já conhecia Gil e, maravilhado com a maneira como ele tocava o violão, observava, sorvia cada nota e, assim, aprendeu a tocar melhor. “Ele não me ensinou sistematicamente não, eu ficava olhando, copiando, e às vezes perguntava e ele me dizia. Foi meu único mestre de violão”. Já Gal, era a amiga de uma amiga que diziam cantar de uma maneira que Caetano iria amar. “E Gal cantava lindo mesmo”.

Os resultados dessa união foram e ainda são muitos ainda há pouco tempo, Gil e Caetano dividiram o palco no aclamado concerto Dois Amigos e Um Século de Música , mas talvez o mais emblemático tenha surgido em 1967, quando Gil subiu ao palco do Festival da Canção acompanhado dos Mutantes para cantar Domingo no Parque, e Caetano, juntamente com a banda argentina Beat Boys, defendeu Alegria, Alegria. Hoje, ambas as canções com seus arranjos modernos para a época são vistas como um marco do que seria a Tropicália.

Caetano conta que as guitarras eléxtricas, o figurino e os cabelos compridos da banda causaram estranheza na plateia, que estava habituada a associar o rock a coisas negativas, mas aos poucos, a canção cativou o público.

O exílio

No meio de uma profunda repressão política e cultural que marcou a ditadura militar brasileira, a produção dos tropicalistas logo gerou uma reacção conservadora que acabou por resultar na prisão e, poucos meses depois, no exílio de Caetano e Gil. Ambos foram viver em Londres, onde Caetano gravou dois discos: Caetano Veloso (1971) e Transa (1972).

Com composições em Inglês, Português e que misturam as duas línguas, em Transa, Caetano inventou uma nova linguagem, que até hoje dialoga com o público pela sua originalidade. “Transa é um dos melhores discos que eu fiz. Sempre achei”, conta. E acrescenta: “Não se reduz a nada. É algo que existe em si mesmo e tem a sua originalidade”.

A sonoridade original de Transa faz jus aos músicos que Caetano conseguiu reunir no projecto. “I'm alive, vivo muito vivo feel the sound of music banging in my belly”, mesmo 40 anos depois, os versos ainda dizem muito, especialmente aos jovens.  

A maturidade

Após dois anos de exílio, ao voltar para o Brasil, Caetano iniciou um período de intensa produção. Em 1976, a irmã Maria Bethânia teve um sonho e, por isso, insistiu para que juntamente com Gil e Gal, os quatro iniciassem um projecto em comum. Assim, em duas semanas, músicas inéditas foram compostas e, em pouco tempo, os Doces Bárbaros estavam no palco com pouca roupa e muita arte.

Além dos figurinos ousados, os Doces Bárbaros chamavam a atenção pelas letras com temáticas esotéricas e de amor livre.

Um ano depois, foi a vez de Bicho, um álbum em que, não só as músicas são de autoria de Caetano, como todas as ilustrações que acompanham o encarte. O menino de Santo Amaro trocou o carvão e as calçadas largas pelo lápis de cor e enfeitou o seu próprio trabalho com imagens vibrantes e de sentidos múltiplos.

Sobre Odara, Caetano diz: “Foi muito mal falada na época, porque era como se fosse uma confirmação daquela cultura de discoteca. E era mesmo, mas eu faço coisas assim, que são ligadas à dança da moda, mas não são a dança da moda, são uma coisa minha.” 

O agora

Ao contrário de outros artistas, Caetano nunca parou. A sua discografia não tem intervalos maiores do que três anos entre um disco e o seguinte e, ao que tudo indica, pretende continuar assim: para o futuro próximo, o cantor já tem anunciado um projecto musical com os três filhos e uma ampliação de seu livro Verdade Tropical.

Em 2013, o álbum Abraçaço, ganhou o Grammy Latino de Melhor Álbum de Compositor e comprovou que não só Caetano não parou de produzir, como segue a inovar nas suas criações. Desde então, Caetano manteve uma agenda activa de concertos pelo mundo que envolveu a divulgação do álbum solo, o seu projeto em conjunto com Gilberto Gil e também uma parceria com a cantora Teresa Cristina.

Em entrevista para o jornal O Estado de São Paulo, ao ser questionado se a rotina intensa não gerava cansaço, Caetano respondeu: “Música é bom e eu gostaria de ter mais talento. Só para aumentar o prazer. Muitas vezes, percebo a imensidão do prazer de Djavan, de Milton, de Guinga. O que cansa é aeroporto, avião, hotel, estrada.”  

Pelos vistos, agora, os sortudos somos nós. Um abraçaço, Caetano.

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