O que se passa com o Qatar?

Cinco perguntas e respostas para compreender o que se está a passar no Golfo Pérsico.

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Donald Trump com o rei Salman da Arábia Saudita em Riad, a 20 de Maio

Como começou esta crise?

O sinal de que a tensão no Golfo Pérsico estava a reemergir surgiu no fim de Maio com um ataque concertado nos meios de comunicação social sauditas que acusavam o Qatar de ser uma ameaça à unidade, estabilidade e segurança no Golfo Pérsico. Isto depois de a agência de notícias do Qatar ter atribuído ao emir Tamim bin Hamad Al Thani citações dizendo que o Qatar tinha uma relação tensa com a Administração Trump, que o Hamas era “o representante legítimo do povo palestiniano” e que Irão era “a grande potência estabilizadora da região.” O Governo de Doha diria depois que as frases eram falsas.

As declarações atribuídas a Tamim levaram ao bloqueio em vários países da Al Jazeera e outros meios de comunicação sediados no Qatar. Na imprensa saudita surgiram artigos a acusar o Qatar de ameaçar a estabilidade regional e a exigir que o país optasse entre a sua aliança ao Irão ou ao Conselho de Cooperação do Golfo. No fim-de-semana, as críticas regionais a Tamim cresceram depois de este ter falado ao telefone com o Presidente iraniano, Hassan Rouhani — desafiando Salman, segundo a imprensa saudita.

Porquê agora?

No final de Maio, o Presidente dos EUA, Donald Trump, esteve em Riade, na cimeira dos líderes do mundo árabe, onde apelou à luta contra o terrorismo e diabolizou o Irão e a sua influência regional. Escreve a analista Kristian Coates Ulrichsen, do departamento de Médio Oriente do Baker Institute for Public Policy da Universidade de Rice, no Washington Post: “A ferocidade e a escala dos artigos a criticarem o Qatar na imprensa saudita sugeriam que estava a decorrer uma campanha orquestrada para descredibilizar Doha a nível regional mas também — de forma crucial — aos olhos da Administração Trump. (...) Aparentemente, uma convergência de factores terá alterado o panorama geopolítico no Golfo Pérsico. A Administração Trump indicou que pretende seguir um conjunto de políticas regionais que estão muito mais alinhadas com as de Abu Dhabi e de Riade do que com as de Doha. A Administração Obama procurou reforçar as relações dos Estados Unidos com o Conselho de Cooperação do Golfo como um bloco, mas, em vez disso, Trump concentrou-se na Arábia Saudita e nos Emirados Árabres Unidos como os dois pilares da sua abordagem à região. Além disso, a inexperiência política de muitos membros do círculo restrito de Trump representa uma oportunidade para os sauditas e os Emirados influenciarem as ideias da Administração relativamente a assuntos regionais cruciais, como o Irão e o islamismo”.

É também mais uma disputa entre sunitas se xiitas?

Parte do problema está de facto aqui. A República Islâmica do Irão, xiita, e a sunita Arábia Saudita são rivais regionais e estão em lados opostos nos conflitos da Síria e do Iraque e não só. Os sauditas acusam o Qatar de apoiar “grupos terroristas sustentados pelo Irão” que operam na parte oriental do reino e no Bahrain, e criticam o país por apoiar “grupos terroristas na região”, como a Irmandade Muçulmana, o Daesh e a Al Qaeda. Ainda assim, o Qatar tem sido considerado um aliado por parte de Washington, que neste país tem o seu comando para o Médio Oriente (o CENTCOM), com dez mil homens no terreno.

O que querem a Arábia Saudita e aliados?

“O que é interessante desta vez é o timing e o nível de pressão sem precedentes”, disse à Bloomberg Mehran Kamrava, do Centro de Estudos Internacionais da Universidade de Georgetown no Qatar, referindo-se à visita de Trump à Arábia Saudita. “Há a sugestão de que a Arábia Saudita e os EAU querem a total submissão do Qatar”, correndo-se o risco de uma maior desestabilização regional se o país resistir a esta pressão. “Os dirigentes políticos em Riade e Abu Dhabi podem estar na expectativa de pressionar a liderança de Doha a fazer concessões ou, então, estão à espera para ver se membros da Administração Trump ‘mordem o isco’, sem terem que recorrer a sanções ou ameaças oficiais [perante os apoios do Qatar à Irmandade Muçulmana e ao Irão]. Ninguém sabe em que posição isto vai deixar o Conselho de Cooperação do Golfo enquanto entidade na era Trump”, considerou também a analista do Post.

Esta crise tem  antecedentes?

Sim. Em 2014, a Arábia Saudita, o Bahrain e os Emirados Árabes Unidos retiraram temporariamente os seus embaixadores do Qatar devido ao apoio do Qatar à Irmandade Muçulmana no Egipto; os sauditas e os Emirados apoiaram o golpe militar que a retirou do poder. Analistas citados pela Bloomberg dizem que os sauditas e aliados querem mostrar ao Qatar — país de 2,6 milhões de habitantes que é o maior exportador de gás natural líquido e tem o rendimento per capita mais elevado do mundo, 129 mil dólares por ano — que está a querer ir longe de mais na sua pretensão de ter mais peso regional. O Qatar pretende tornar-se um mediador regional, mas a sua imagem ficou debilitada durante as chamadas Primaveras Árabes, quando apoiou grupos que pediam mudanças em países do Médio Oriente, ainda que nenhum deles no Golfo Pérsico.

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