Histórias da miséria sexual na Polónia de 1990

Objecto interessante mas limitado, United States of Love é um filme lúgubre até dizer chega.

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United States of Love é o primeiro Tomasz Wasilewski a estrear em Portugal
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Olhar sobre a miséria emocional (e sexual) de um grupo de personagens femininas, tendo como pano de fundo a Polónia recentemente “libertada” de 1990, United States of Love (a distribuição preferiu manter o título internacional) é o primeiro filme de Tomasz Wasilewski, uma das coqueluches do novo cinema polaco, a estrear em Portugal.

É um filme lúgubre até dizer chega, mesmo em questões relacionadas com a superfície da imagem — por exemplo aquela fotografia desbotada, reminiscente da cores de uma VHS deteriorada, como se a reconstituição de uma memória da época também passasse por aí (e, na verdade, há mesmo uma cena em que é preponderante uma cassete VHS).

Mas se o filme tem méritos, nomeadamente o trabalho sobre os planos longos (em especial um, lá para o final, pontuado por um grande poster de Whitney Houston), a imbuírem o sexo e a nudez, ambos abundantes, de uma atmosfera desolada que faz fintas ao porno para ser “anti-porno”, nunca encontra a forma de ultrapassar a ilustração de uma agenda temática binária e contrastante.

Que é isto: a Polónia livrou-se do comunismo, tem aberto o caminho para a democracia e para o “mundo livre”, e no entanto não há euforia nenhuma, o sexo é triste, as pessoas vivem num torpor que, simbolicamente, talvez comece a ser sacudido (ou “expelido”) no último plano, que mostra uma das personagens a vomitar.

Psicologicamente baço, desenhando cuidadosamente (para não dizer calculisticamente), através de detalhes, um mapa social da Polónia de 90 (do catolicismo, através da personagem do padre, à imigração, no marido ausente que podia ser uma das personagens do Moonlighting de Skolimowski), United States of Love é uma miniatura esquemática que se vê como uma espécie de adenda, ou de posfácio apócrifo, ao Decálogo de Kieslowski, que com maior complexidade e muito menos cinismo estabeleceu um retrato, “em directo”, da vida polaca nos últimos anos da década de 80 e da época do comunismo.

A relação é claramente permitida pelo filme, porventura até deliberadamente, mas onde Kieslowski ampliava, fazendo tudo vibrar num novelo de ressonâncias morais (ou mesmo moralistas), Wasilewski reduz, nada ressoando senão o eco de um niilismo que vota as suas personagens ao abandono — e a um certo desprezo por parte da câmara (consequência involuntária dos planos longos e fixos: o enquadramento, a composição, são valores absolutos, incapazes de se co-moverem pelas personagens). Objecto interessante mas limitado, e resolutamente “pós”, mais no mau sentido da expressão do que no bom. 

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