Relatório da dívida provoca mais um choque com o Banco de Portugal

PS, BE e Governo concordam que política de provisões do supervisor tem de mudar para que o Estado receba mais dividendos e ajude a consolidação orçamental.

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Esta iniciativa deverá ser mais uma batalha contra o BdP evr Enric Vives-Rubio

"Quando o Banco de Portugal aumenta os dividendos e paga mais impostos, é consolidação orçamental". Esta frase do deputado socialista Paulo Trigo Pereira resume na prática aquilo em que PS, BE e Governo estão de acordo depois de apresentado o relatório sobre a dívida pública: é preciso que o supervisor mude a política de provisões (o dinheiro que guarda quando compra dívida pública para acautelar riscos), para que assim contribua mais para o equilíbrio das contas públicas e permita aliviar o peso aos contribuintes. E para o fazer, os dois partidos assumem que é preciso uma alteração à lei, que vai chocar de frente (e de novo) com o Banco de Portugal.

O relatório da dívida pública que resultou do grupo de trabalho entre PS, BE, Governo e especialistas independentes sugere uma alteração dos critérios para a constituição de provisões pelo Banco de Portugal. Há um consenso entre todos para que o supervisor reserve menos dinheiro quando compra dívida pública ao abrigo do programa de compra do Banco Central Europeu, e com isso pague mais dividendos ao Estado. "Tem de se avaliar até que ponto a política de provisões do Banco de Portugal se deveria aproximar mais dos outros bancos centrais europeus", defendeu o secretário de Estado do Orçamento, João Leão.

Mas não foi o único. Tanto o BE como o PS querem rever esta questão, mesmo que, admitiu o deputado do PS João Galamba, a legislação já permita uma política de provisões menos agressiva por parte do supervisor. "O Banco de Portugal está sobrecapitalizado de uma forma injustificável", defendeu. Para os socialistas, "a questão dos dividendos e provisões é da maior importância, o Banco de Portugal tem uma prática que se afasta de uma forma muito significativa dos congéneres europeus e priva o Orçamento do Estado de um conjunto de importantes recursos públicos. Faria muita diferença na consolidação orçamental". E perante esta posição defende um "sobressalto nacional" que chegue a um "consenso até do próprio Banco de Portugal".

Este deverá ser, assim, mais um episódio na guerra com o Banco de Portugal, isto apesar de o supervisor já ter reduzido este ano as provisões e aumentado os dividendos pagos ao Estado para os 450 milhões de euros.

A proposta ainda não está desenhada, mas deverá ser uma das medidas consequentes do relatório agora apresentado. Será, no entanto, complexa em termos técnicos. O deputado socialista falou na necessidade de rever dois artigos da Lei Orgânica do Banco de Portugal para redefenir o conceito de provisões, mas também o tipo de justificações que o BdP pode e tem de dar para as constituir. 

Na prática os dois partidos querem reduzir as circunstâncias em que o BdP pode reservar dinheiro. Neste ponto, PS e BE falam a uma só voz. O líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, defendeu que o partido não concorda "que seja banal que o Banco de Portugal tenha uma política de provisões que seja contra-cíclica". "É possível uma alteração à lei e uma disponibilidade para resolver o que achamos que pode ser melhorado. Há um repto para que seja uma questão nacional e seja resolvido como tal", acrescentou. 

Esta é no entanto uma matéria sensível dentro do supervisor. Quando o ano passado Carlos Costa decidiu aumentar os dividendos causou mau-estar na equipa. Um adjunto do governador chegou a falar em razões políticas e a acusar o Governo de promover a descapitalização do BdP. A passagem para letra de lei de uma norma que limite estas provisões levantará de novo algumas destas críticas e poderá ser mais um ponto de uma guerra entre Governo e BdP. 

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