Fórmula 1: Vertigem domina “grande circo” que transforma curvas em rectas

GP de Melbourne será a “arena” do primeiro confronto a sério entre Mercedes e Ferrari, com Red Bull à espreita neste arranque de uma nova era.

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Reuters/JASON REED

A vertigem da Fórmula 1 regressa já na próxima madrugada (a qualificação começa às 6h em Portugal continental), nos antípodas, disposta a seduzir no seu novo fato XXL, à medida de uma nova era que desponta com o abandono de Bernie Ecclestone. Uma visão assumidamente musculada, a convocar a ideia de pilotos-heróis, autênticos gladiadores num circo de “feras” em que se transformaram os monolugares, comprovadamente mais rápidos, mais largos, mais pesados, mais agressivos, capazes, imagine-se, de transformar curvas em rectas e testar limites impensáveis no campo gravitacional.

Assim, o Grande Prémio de Melbourne, na Austrália, promete a primeira explosão de sentidos, potenciada pela expectativa crescente em relação ao fim da hegemonia da Mercedes, afastada da zona de conforto pela revolução técnica imposta pela nova ordem, a pretexto do regresso da competitividade e da incerteza na discussão do campeonato.

Órfão do campeão em título, Nico Rosberg, e do ex-patrão, Bernie Ecclestone, com as principais novidades pensadas para arrasar os números de um passado demasiado calculista, seguro e de duelos absurdamente previsíveis (com a Mercedes a vencer 51 em 59 corridas nos últimos três anos), o “grande circo” aposta na transfiguração como forma de recuperar espectacularidade e… audiências, agora sob o controlo do norte-americano Chase Carey, mandatado pelos donos da Fórmula 1, através da Liberty Media.

O primeiro dos 20 Grandes Prémios da temporada — ainda sem um circuito alemão no calendário — encerra, crê-se, uma boa parte das respostas formuladas desde o fim de Novembro e parcialmente respondidas ao longo das últimas semanas, em especial nos testes realizados pelas escuderias no Circuito da Catalunha, em Barcelona, onde os Ferrari roncaram mais forte, espantando os próprios “Flechas de Prata”, igualmente atentos à Red Bull.

Sebastian Vettel e Kimi Räikkönen voaram, devorando segundos a cada volta, deixando claro que as corridas serão disputadas nos limites. Baixar em cerca de cinco segundos o tempo por volta é apenas o resultado tangível da revolução que obriga os pilotos a suportarem níveis de exigência física difíceis de antecipar.

Perícia e estratégia, a par da fiabilidade dos motores — que os regulamentos limitam a quatro por piloto (menos um do que no último ano) —, ditam leis, como resulta evidente do fluxo de contra-informação posto a circular nos primeiros testes. E se a Mercedes reservou alguns trunfos para iludir a concorrência, como sugerem os tempos dos treinos livres, a Ferrari, que há um ano também mostrara argumentos para uma época de glória (mas que acabou sem uma única vitória), é acusada de desacelerar estrategicamente, camuflando um “cavallino” indomável, o puro-sangue reservado para celebrar o 70.º aniversário.

Mais aderência e velocidade

A poucas horas do tiro de partida na Austrália, a Ferrari juntou a esta pequena demonstração de força um trunfo de peso, com a Federação Internacional do Automóvel (FIA) a impor a alteração do sistema de suspensão FRIC (Front to Rear Interlinked Suspension) utilizado por Mercedes e Red Bull. A decisão surge na sequência dos esclarecimentos solicitados pelos italianos no início de 2017, confirmando-se a suspeição de interferência ilegítima nos apoios aerodinâmicos. Uma alteração que coloca sob forte pressão as únicas equipas que conseguiram vencer uma corrida na temporada anterior e que poderá ajudar a nivelar o desempenho no topo do pelotão, como se comprovou já na Austrália.

Isto num ano em que a aerodinâmica desempenhará um papel particularmente importante. A maior aderência, proporcionada pelo aumento do fluxo de ar sob os monomotores, pelos pneus substancialmente mais largos e resistentes, reduz os tempos de travagem e as idas às boxes, aumentando o ritmo e a velocidade das provas, já traduzida numa diferença expressiva, na casa dos cinco segundos. Subsistem, porém, dúvidas quanto ao ganho de espectacularidade, prevendo-se corridas com menos ultrapassagens.

Atentos a todas as variáveis, os pilotos posicionam-se. Lewis Hamilton surge entre os principais favoritos à consagração em Abu Dhabi, onde na época anterior se esfumou a possibilidade de igualar Vettel e Alain Prost, com o ambicionado “tetra”. Sem a companhia de Rosberg, o ego de Hamilton não deverá ser um problema, a menos que o finlandês Valtteri Bottas se revele uma ameaça. O britânico atira o favoritismo para o campo da Ferrari, mas paga para ver o que pode acontecer na Austrália, onde se estreou há 10 anos… com direito a lugar no pódio. E logo no primeiro dia de treinos, Hamilton mostrou ao que vem.

A Red Bull, com Daniel Ricciardo a fazer as honras da casa e Max Verstappen atento aos tubarões, assiste ao saltar de faíscas no duelo entre germânicos e italianos, espreitando a primeira oportunidade para se intrometer numa luta em que não falta confiança depois dos resultados do último ano. De Vettel e Räikkönen já aqui se abriu um parêntesis. A Ferrari surge disposta a assaltar o poder, possuindo uma dupla de campeões mundiais para formalizar a candidatura. O alemão de 29 anos, com quatro títulos consecutivos entre 2010 e 2013, igualaria a mítica marca de Juan Manuel Fangio, aproximando-se do campeoníssimo Michael Shumacher, detentor de sete títulos. Os dados estão lançados e, a julgar pela amostra, emoção não faltará.     

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