“Não estava escrito que tinha de ser carrancudo”

Para o cientista político António Costa Pinto, a presidência Marcelo está perfeitamente enquadrada no semipresidencialismo. Este é que é moldável à personalidade do titular do cargo. Mas há riscos.

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Numa manhã, Marcelo é capaz de tirar 200 selfies (contas do próprio) LUSA/JOSÉ COELHO
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Jovens e menos jovens não perdem a oportunidade de tirar uma foto com o Presidente Ricardo Castelo/NFACTOS
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Marcelo a tirar uma selfie com uma bombeira Manuel Roberto
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Costa Pinto diz que não estava escrito que o Presidente tinha de ser carrancudo Enric Vives-Rubio

O que há de novo na Presidência de Marcelo Rebelo de Sousa? Apenas uma coisa: um novo estilo, afirma António Costa Pinto. “Não tenho a certeza de que haverá mesmo algo de novo à excepção disso. Tudo o resto está dentro da margem do semipresidencialismo”, afirma o cientista político, co-autor do livro O poder presidencial em Portugal. “Este é um regime muito plástico e ele pode decidir mesmo ser um Presidente mais interventivo. As críticas são naturais, remetem para a experiência que temos vivido no passado. Mas não está escrito que tinha de ser carrancudo”, afirma.

Numa apreciação que fez ao PÚBLICO sobre o primeiro ano de mandato de Marcelo, faz dois avisos prévios. O primeiro é que não se pode pedir aos Presidentes que neguem o seu passado. Rebelo de Sousa não é um político de carreira, “tem uma personalidade e um passado que remete fundamentalmente, além de professor universitário e político de centro-direita, para a figura de comentador político, de grande intervenção”. E essa é outra inovação de Marcelo Rebelo de Sousa em relação a outros políticos europeus: “O ter chegado à Presidência em grande parte com capital adquirido fundamentalmente nos media. Isso é raro na Europa”.

O segundo é que, muito embora pense que Marcelo vai ter uma postura institucional, “vale a pena sublinhar que a Presidência da República e o semipresidencialismo português é muito moldável por aquilo que o Presidente decide e as reacções dos partidos e do Governo. O Presidente tem uma grande margem de manobra política e o nosso sistema semipresidencial ainda não esgotou todas as suas potencialidades”, sublinha o professor do Instituto de Ciências Sociais e do ISCTE. 

Costa Pinto já estava à espera da grande pressão sobre Marcelo. Pela autonomia com que fez a sua campanha, que gerou a desconfiança do líder do PSD. Também pela conjuntura: “O facto de Marcelo ter sido eleito numa conjuntura política de polarização, em que pela primeira vez se experimenta um governo minoritário do PS apoiado pelo BE e pelo PCP, naturalmente que a pressão do centro-direita ia ser grande”.

Outro plano é a dimensão da actuação do Presidente na relação com o espaço público e o sistema político. “Temos assistido nos últimos tempos a uma crítica implícita a Marcelo porque ele aparece de mais, comenta de mais, tem uma intervenção pública e, sobretudo com este comunicado sobre a CGD, está eventualmente até no limite dos seus poderes”. Costa Pinto discorda: “Nada em Marcelo Rebelo de Sousa extravaza os seus poderes constitucionais. Evidentemente que o ministro responde perante o Governo e o primeiro-ministro responderá como achar melhor ao Presidente”. E se “não há dúvida que, durante este primeiro ano, não cultivou a habitual distância institucional que separa o Presidente das instituições e da sociedade, a verdade é que nada escrito nessa matéria”.   

A selfie também remete para esse novo estilo a que a democracia portuguesa não estava habituada, em parte porque a classe política portuguesa, cultiva – com excepções, como Mário Soares em certas fases – um modelo relativamente elitista e distante da sociedade.

Na sua relação com o Governo, Costa Pinto destaca que Marcelo cumpre institucionalmente as funções claras de um Presidente, que é ser garante de estabilidade: “Até agora temos verificado que o apoio explícito ao Governo é o apoio explícito ao consenso europeísta do PS. Não alterou a sua posição sob o ponto de vista das suas convicções políticas, nem na esfera dos valores, nem na esfera das relações com a Europa. Tem uma formação política de centro-direita moderada, não alterou convicções. O resto são amuos com os partidos de origem que já se verificaram várias vezes na nossa história recente”.

Claro que há limites claros: são os partidos que estruturam a opinião pública e inclusive a opinião dos eleitores que votaram em Marcelo. Mas também no plano partidário a conjuntura política tem vantagens, analisa o politólogo. “Esta polarização política pode ser um elemento bloqueador do aparecimento de novos partidos e sobretudo da abertura de espaço político a partidos populistas, quer de direita quer de esquerda”, afirma. 

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E aqui Marcelo também ajuda: “Muitas das dimensões que são associadas a Marcelo são um contributo para ele ocupar previamente, e de uma forma não populista, o espaço político de um partido populista em Portugal”, diz Costa Pinto. Como assim? “As democracias contemporâneas têm sofrido um fenómeno de personalização da política. Os partidos populistas são dirigidos por líderes carismáticos e Marcelo Rebelo de Sousa tem algumas potencialidades para esse tipo de discurso”.

Nessa dinâmica de personalização da política, a personalidade conta. A personalidade associada a um estilo político e a uma certa forma de contacto com a sociedade, cria efeitos diferentes. Acresce ainda que Marcelo, por ocupar o centro político neste cenário de polarização dos partidos, consegue esbater as fronteiras esquerda/direita, outra das características dos partidos populistas.

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