O ano que vai ter só seis meses

Contra os desejos pseudo-analíticos de boa parte da opinião convencional, eu creio que 2017 não trará o colapso da UE — e que isso fará uma grande diferença para a década de 2020.

As grandes crises são sempre crises de imaginação. Faltou imaginação primeiro — porque ninguém acreditou que a crise poderia chegar. Falta imaginação depois — porque ninguém acredita que da crise se possa sair. Surpreendida pelos resultados do “Brexit” e de Trump, a opinião convencional é agora a de que a própria União Europeia está à beira do colapso e que as eleições do próximo ano na França, na Itália, na Alemanha e nos Países Baixos constituirão o seguimento da vaga populista que selará o nosso inevitável regresso aos estados-nações triunfantes.

Ponho as minhas cartas na mesa. Em 2016 alertei com antecedência para a vitória do “Brexit” e para a possibilidade da vitória de Trump; mas, por outro lado, pus todas as minhas fichas — praticamente sozinho — contra a possibilidade de haver sanções de Bruxelas a Portugal. Escrevi também, ainda no fim de 2015, contra outra das previsões da moda, a do fim do espaço Schengen. Já no primeiro semestre desse ano argumentara contra a hipótese do “Grexit” e escrevera que a não-saída da Grécia representava o princípio do fim da crise do euro — o que me valeu, além de críticas, algum escárnio. Quem me leu não saiu defraudado.

No próximo ano vou olhar com especial atenção para as eleições francesas, com duas voltas em abril e maio. Se Le Pen ganhar, acabou o projeto europeu como o conhecemos. Se Le Pen perder ou, melhor ainda, se a esquerda ganhar juízo a tempo de ela não passar à segunda volta, a União Europeia poderá durar. Todas as outras eleições, incluindo na Alemanha, serão menos cruciais para o futuro do projeto europeu. Na verdade, o próximo ano político vai definir-se com as eleições francesas e, nesse sentido, vai ser um ano com apenas seis meses.

Com o isolacionismo de Trump, o expansionismo de Putin e a ascensão da China — e também da Índia —, o mundo que se prepara para a década de 2020 será certamente multipolar, embora não multilateral. É importante saber se o vamos encarar com uma União Europeia que terá ultrapassado as suas maiores crises e que, mesmo com o “Brexit”, continuará a ser a maior economia mundial, ou se vamos ser uma mera coleção de países num continente europeu fragmentado, desconfiado e cada vez mais irrelevante.

Contra os desejos pseudo-analíticos de boa parte da opinião convencional, eu creio que 2017 não trará o colapso da UE — e que isso fará uma grande diferença para a década de 2020. Uma União Europeia que evite o precipício só terá a ganhar nos próximos anos por comparação com as políticas rancorosas e fechadas que, da Turquia à Rússia, dos EUA ao Brasil, recusam a modernidade, desencantam os jovens e secam o terreno social para a criatividade, a inovação e a solidariedade. É fácil imaginar como Portugal terá muito a ganhar ao posicionar-se como ponta-de-lança de uma UE social e democrática. Aqueles que apostam pelo desmantelamento do projeto europeu, por outro lado, é que parecem sempre esquecer-se de apresentar o seu modelo de futuro para o nosso país no mundo que aí vem. 

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