“Só pedimos que não haja grande confusão" na reabertura dos tribunais

Para a nova presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses era preferível reactivar tribunais em Setembro, e não já em Janeiro que vem.

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Manuela Paupério Enric Vives-Rubio

A anunciada reactivação de 20 tribunais, com apenas um ou dois funcionários e um juiz não residente, pode ser considerada uma verdadeira reabertura?
É dar um sinal às populações relativamente a determinado tipo de litígios, é voltar a poder realizar julgamentos nos locais onde as coisas acontecem. Para as pessoas não se sentirem tão longe.

Mas podemos chamar-lhes verdadeiros tribunais?
Desde que o juiz lá esteja é tribunal. Vai reabrir-se porque se constatou que há muita auto-estrada mas pouca carreira de autocarro: as pessoas para se deslocarem a um tribunal muitas vezes têm de sair de manhã ou de véspera e só conseguem regressar nesse dia à noite. Porque de alguns locais saiu quase tudo – a repartição de finanças, o tribunal, as escolas –, e as pessoas perguntam-se que país é este.

Há condições para a reactivação ir por diante no início de Janeiro?
Sempre dissemos que queríamos que isto entrasse em vigor em Setembro que vem, mas a ministra faz questão de antecipar. Assim sendo, só pedimos que não haja grande confusão.

Mas há condições para reabrir em Janeiro?
São opções políticas. No caso do desdobramento das secções de família e menores talvez não haja, porque implica um concurso extraordinário de magistrados. Agora para as reaberturas a ministra diz que sim, e nós vamos esperar para ver. Mas é preciso alguma tranquilidade, os juízes estão fartos de coisas feitas de modo apressado e das confusões que daí advêm, que têm suportado com grande estoicismo. Esperemos não se repitam os erros do passado.

Como está a correr a revisão do estatuto dos juízes?
Há um grupo de trabalho nomeado pela ministra que, tanto quanto sabemos, terá de apresentar resultados no final deste ano. Nós não fomos tidos nem achados, ninguém nos perguntou nada nem sabemos o que se passa.

Quais são as questões mais relevantes?
É preciso ajustá-lo à nova orgânica dos tribunais, porque há desajustamentos. Também é importante que este estatuto traga alguma revalorização a nível remuneratório, porque os juízes têm visto o seu estatuto remuneratório e socio-profissional depreciar-se cada vez mais. [Um juiz em início de carreira leva para casa cerca de 2000 euros líquidos, e um conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça cerca de 3800].

Não sucedeu o mesmo com os restantes portugueses?
(Hesitação) Tivemos cortes salariais, como toda a gente. Mas a função dos juízes é única. Não vale a pena compararmo-la com nenhuma outra.

Um médico pode dizer o mesmo.
Cada um tem a sua especificidade. Por isso é que é mau estarmos constantemente a fazer comparações. Um juiz do Supremo ganha pouco mais que 140 euros que um da primeira instância em termos líquidos, sabia? E que na Relação ganha mais 70 que na primeira instância? Ora isto não incentiva ninguém ao trabalho. As pessoas vão ficando cada vez mais velhas, cansadas, e se não têm um estímulo… Os magistrados são os únicos que fazem uma carreira em exclusividade total e absoluta. Não podem exercer nenhuma outra profissão remunerada. Só podem dar aulas e escrever livros, mais nada. Toda a vida. E são os únicos que vêem alguns dos seus direitos civis limitados.

Os militares não podem fazer greve nem fazer manifestações.
Nunca me pronuncio sobre os outros. Não se diz, em relação aos gestores públicos, que a competência se paga? Então queremos juízes incompetentes? Que os licenciados em Direito mais capazes vão só para os grandes escritórios de advogados e não para a magistratura, por não ser compensadora? Os juízes tiveram vergonha de falar dos salários durante muito tempo. Devemos perder esse medo. É fácil malhar nos juízes, mas cumprem uma função essencial do Estado de direito. Defendemos que tenham um subsídio que lhes pague a exclusividade. Claro que não somos irresponsáveis: estamos abertos a um faseamento desta valorização remuneratória.

Um juiz menos bem pago é mais permeável?
Não digo isso, até porque não temos casos desses. Só que também não pode estar a pensar “Valha-me Deus, como vou arranjar dinheiro para pagar o seguro do carro este mês?”. Olhe que uma vez uma colega disse-me isto: “Tenho que ir buscar as minhas filhas ao infantário porque não tenho dinheiro para pagar mais horas à empregada”. É a este nível que dizemos que o juiz tem de ser livre: tem de ter a vida tranquila. À medida que se sobe na carreira está-se condicionado pelo tecto do ordenado do primeiro-ministro e isso torna pouco compensador o topo da carreira. Por isso é que há colegas que não querem subir.

Deve poder pertencer a organizações secretas como a maçonaria ou a Opus Dei?
Acho que o juiz tem de ser livre. Pertencer a grupos, movimentos ou partidos não é muito aconselhável. No projecto de estatuto entregue no Ministério da Justiça pela associação sindical está consagrada essa incompatibilidade. Não basta ser sério, é preciso parecê-lo.

Quando o juiz Carlos Alexandre disse em entrevista que não tem amigos ricos houve quem a reprovasse por o ter defendido, mas a verdade é que também o criticou.
Foi de facto infeliz nalgumas coisas que disse, embora sem intenção, mas o que me agradou foi ele ter dito que eu estive bem no comentário que fiz. De facto, e como ele afirmou, nós, juízes, vivemos com o nosso ordenado. E não queremos que seja doutra forma.

Por que é que não lhe agrada a ideia do Governo de mandar para casa, com pulseira electrónica, os reclusos condenados a penas mais leves?
Trata-se de uma ideia baseada em razões economicistas. Diz-se que cumpir prisão só aos fins-de-semana não resulta. Pois diz-me a minha experiência que tem eficácia. São penas normalmente aplicadas a quem conduz repetidamente sob influência do álcool ou sem habilitação legal. Agora se essa pessoa for para casa e puder sair para ir trabalhar e voltar para dormir [como pretende o Governo], que é o que nos acontece a todos…  que pena é esta, afinal? Dá um mau sinal.

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