É difícil manter acesa a chama da esperança num campo de refugiados

Em Çinar, há 1200 yazidis que fugiram do Estado Islâmico quando o grupo jihadista tomou Sinjar. Não têm nem autorização de residência na Turquia nem possibilidade de ir para outro país.

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No interior de uma tenda num campo de refugiados yazidi Asmaa Waguih/REUTERS

Há tantas crianças – de olhos brilhantes, rostos curiosos, risos abertos para os visitantes. Há sete turmas no campo de refugiados yazidi de Çinar, nos arredores da cidade de Mardin, no Sudeste da Turquia, onde as crianças, fugidas do Iraque com os pais, aprendem curdo e inglês. Mas a vida passa-se ali um dia após o outro, sem um horizonte de futuro.

Jamal Joko, de 23 anos, é o professor de inglês. Veio de Sinjar, há dois anos – fugiu com a família, quando o Estado Islâmico invadiu a cidade e matou homens e fez das raparigas e mulheres escravas sexuais, com um plano claro de acabar com esta minoria religiosa. “Aprendi inglês sozinho, aqui, no Facebook, na Internet. Achei que podia fazer alguma coisa de útil com o meu tempo”, contou.

Mas só dá aulas a 15 crianças. Antes, tinha mais alunos, mas o local onde dava aulas foi incendiado – e ele recebeu ameaças. “Por isso agora são só 15. Porque acredito que precisamos de educação mais do que qualquer outra coisa”, diz Jamal Joko, à medida que passamos pelos corredores com lajes, ao longo dos quais foram montadas as tendas onde vivem as famílias ali colocadas, muitas delas com roupa lavada estendida e cobertores a secar, aproveitando o quente Sol de Outono.

Neste momento, o campo não está muito cheio – vivem ali cerca de 1200 pessoas. Já chegou a ter 7000. Joko tentou a sorte, há três meses, numa viagem para a Grécia. “Baniram-me, mandaram-me de volta!”, contou. “O Inverno está a chegar, e faz tanto frio, é tão difícil para todos, para as crianças.”

A Turquia não os reconhece como refugiados – a sua lei, que data do pós-II Mundial, só dá esse estatuto a pessoas vindas do Ocidente, numa referência às vítimas da Guerra que devastou a Europa nos anos 40. Apesar de receber mais de dois milhões de refugiados da guerra na Síria, e de ter assinado um acordo com a União Europeia para não permitir a sua saída para a Europa, a Turquia apenas abre uma excepção para quem vem da Síria. Os yazidis, que vêm do Iraque, não são reconhecidos como refugiados.

“A maior parte das pessoas que está aqui não tem direito de residência na Turquia”, diz Evli, que veio de Sinjar. “É uma atitude que parece saída dos tempos do Império Otomano”, exalta-se.

O maior problema é a falta de cuidados de saúde. “Só temos acesso a medicina de emergência, e não somos atendidos nos hospitais”. Há uma clínica com quatro médicos e duas enfermeiras – muito pouco. Segundo um levantamento feito pelos coordenadores do campo, 67 pessoas precisam de uma cirurgia – e não há dinheiro para a pagar.

Homens idosos, de rosto tisnado pelo Sol, alguns com kaffiyeh brancos ou de xadrez vermelho e branco, enrolados à volta da cabeça de uma forma bastante solta, chamavam os jornalistas, para tentar falar deste problema. Um senhor que se apoia na bengala, e parece só ter metade dos dentes de baixo (aponta para a boca) faz discurso irado. Faltou o tradutor neste momento – mas a mensagem passou perfeitamente.

A viagem do PÚBLICO foi financiada pelo Movimento Europeu Anti-Racista (EGAM) e pela Rede de Parlamentares Elie Wiesel para a Prevenção de Genocídios

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