UE procura salvar acordo com Canadá numa cimeira de crises

Na sua estreia em Bruxelas, Theresa May procurou tranquilizar parceiros sobre “Brexit”. Com a guerra da Síria na mira, líderes europeus ameaçam com novas sanções à Rússia.

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Theresa May diz que quer trabalhar para que a saída da UE decorra de “forma suave, construtiva e ordenada” Francois Lenoir/Reuters

Uma nova palavra entrou no léxico da União Europeia para descrever o momento actual: é a “policrise”, ou a multiplicação de crises simultâneas com potencial para abalar as fundações da própria comunidade. Um termo que ganha força a cada semana que passa e que fica bem demonstrado na vasta agenda desta cimeira europeia. Como se não bastasse o “Brexit”, a crise dos refugiados ou as cada vez mais difíceis relações com a Rússia, os líderes europeus chegaram a Bruxelas na iminência de um novo fracasso – o acordo de livre comércio com o Canadá, um sucesso a que a UE quer desesperadamente agarrar-se, ameaça cair num impasse.

A reunião do Conselho Europeu desta quinta e sexta-feira fica marcada pela estreia de Theresa May, a nova primeira-ministra britânica, que depois de ter assumido posições internas muito duras sobre o que quer das negociações com Bruxelas – privilegiando o controlo da imigração ao acesso ao mercado único – foi a Bruxelas dizer que tudo fará para que o processo de saída da UE decorra de “forma suave, construtiva e ordenada”.

Quer o Governo britânico, quer Bruxelas anseiam por perceber o que a outra parte pretende. Mas os líderes europeus mantêm-se firmes ao princípio de não negociar antes que Londres accione o artigo 50 do Tratado de Lisboa e o tema foi relegado para segundo plano. Ainda assim, May aproveitou o jantar de trabalho para dizer que o Reino Unido quer continuar a ter “papel activo” até à saída da UE e avisou os líderes europeus que não podem continuar a excluí-la das cimeiras, sob pena de “tornar difícil” que ela aceite “o que negoceiam entre eles”.

Mas se o “Brexit” é a sombra que paira sobre a UE, o sentido de urgência da cimeira está orientado noutras direcções. Na resposta à acção da Rússia na Síria, o segundo conflito a azedar as relações entre os dois blocos depois da Ucrânia, e que levou May, mas também Hollande e o presidente do Conselho, Donald Tusk, a avisar para a possibilidade de novas sanções. Os Vinte e Oito querem também rapidez na finalização de acordos com os países africanos para reduzir o número de migrantes que chegam às costas de Itália e acelerar a sua repatriação, imitando o polémico acordo com a Turquia que reduziu as travessias no Egeu.

Nada era, no entanto, tão urgente como a necessidade de ultrapassar o bloqueio do Parlamento da Valónia, a região francófona no Sul da Bélgica, ao acordo de livre comércio que a UE negoceia há sete anos com o Canadá, conhecido por CETA (Acordo Económico e de Comércio Abrangente) e que deveria ser assinado na próxima semana. A Comissão Europeia, que o negociou, assegura que a sua entrada em vigor aumentará em 20% as trocas comerciais entre os dois blocos, injectando 12 mil milhões de euros por ano na economia europeia.

Mas o impasse começou a desenhar-se quando, contrariando o princípio de que a política comercial é uma competência exclusiva da UE, Bruxelas aceitou que os Estados dessem o seu aval ao acordo, o que no caso da Bélgica implica o acordo de todos os parlamentos regionais. E para Paul Magnette, chefe do governo regional valão, apesar das modificações introduzidas, o CETA continua a abrir brechas que prejudicarão a agricultura, o modelo social europeu e a autonomia política dos Estados.

“Receio que o CETA possa ser o nosso último acordo de livre comércio”, disse, semblante fechado, Tusk, pouco antes de ter sido convocada uma reunião de emergência dos embaixadores dos Vinte e Oito para tentar quebrar o impasse. Um fracasso, sublinhou Tusk, não atrasa ou inviabiliza apenas o acordo com Otava, mas descredibiliza a UE enquanto parceiro internacional e põe em causa a sua capacidade para forjar outros acordos – os que estão já na calha com o Japão ou os EUA, mas também um futuro entendimento com o Reino Unido. “Se a UE não consegue fazer um acordo com uma nação socialmente democrática, anglófona e francófona sem desencadear protestos pelo continente, com quem conseguirá Bruxelas fazer um acordo?”, questionava-se o Financial Times.

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