Os alçapões e outros avisos da Entidade das Contas

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Momentos de campanhas eleitorais: segundo a Entidade das Contas, há uma série de situações que fogem à fiscalização Paulo Pimenta
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Momentos de campanhas eleitorais: segundo a Entidade das Contas, há uma série de situações que fogem à fiscalização Nelson Garrido
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Momentos de campanhas eleitorais: segundo a Entidade das Contas, há uma série de situações que fogem à fiscalização Miugel Madeira
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Momentos de campanhas eleitorais: segundo a Entidade das Contas, há uma série de situações que fogem à fiscalização Adriano Miranda
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Momentos de campanhas eleitorais: segundo a Entidade das Contas, há uma série de situações que fogem à fiscalização Nuno Ferreira Santos
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Momentos de campanhas eleitorais: segundo a Entidade das Contas, há uma série de situações que fogem à fiscalização Daniel Rocha

Em Julho de 2014, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) elaborou o estudo sobre “O financiamento político informal em Portugal após 2005”, ano em que foi criada aquela estrutura da órbita do Tribunal Constitucional. O documento, a que o PÚBLICO teve acesso e que nunca foi publicado no site da ECFP nem divulgado publicamente, elenca os ‘buracos’ da lei do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, através dos quais podem ser obtidas verbas, lícitas ou ilícitas, e que fogem à fiscalização daquela entidade.

Matérias não controladas pela ECFP
A lei 55/2010 é fonte de muitos dos problemas identificados neste estudo da ECFP, como aliás já tinha sido denunciado no relatório Sistema Nacional de Integridade, elaborado em 2012 pela Transparência e Integridade Associação Cívica, a Inteli – Inteligência e Inovação e o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Desde logo porque aumentou o leque de matérias não controladas pela ECFP, como ela própria identifica.

Definição legal lata de angariações de fundos
Foi muito criticada no debate público a definição de angariação de fundos que a lei veio a fazer por ser demasiada ampla. Com efeito, sobre as actividades de angariação de fundos, a Lei n.º 55/2010 veio defini-las, determinando que o seu produto resulta da diferença entre receitas e despesas, o que significa que só o resultado final (receitas – despesas = saldo) é aferível para efeitos do respectivo limite (639.000,00 euros) e não todas as receitas individualmente contabilizadas nessa actividade.

Por outro lado, há alguns eventos partidários (grandes festas partidárias) que, caso sejam encarados como traduzindo diversas actividades de angariação de fundos, permitem que fluxos financeiros em dinheiro vivo sejam utilizados sem que se possa verificar se não ultrapassaram o limite legal de circulação de dinheiro vivo admitido por lei (montantes inferiores a 106,50 € no montante global anual de 21.300€).

Esta matéria carece de reconsideração, por não corresponder a exigências de transparência e rigor.

Alargamento do universo de doadores e do montante de doação
A nova Lei n.º 55/2010 alarga o universo de doadores a candidatos em listas eleitorais. Mas ao regular esta categoria de receitas de forma diferente dos donativos, permite que tais contribuições ultrapassem os limites previstos para os donativos (10.650€ por doador), não se estabelecendo qualquer limite máximo (tecto). Assim, é de repensar esta solução que permite multiplicar o universo dos financiadores e potenciar eventualmente os interesses próprios dos candidatos em seu proveito através de promessa de financiamento aos partidos.

Aliás, é conhecida em Portugal a prática partidária relativamente aos respectivos candidatos em que estes, uma vez eleitos, se comprometem a pagar uma parte do seu vencimento ao partido, sucedendo muitas vezes que é o próprio órgão para o qual foram eleitos que procede directamente a esse pagamento ao partido, de acordo com as instruções dadas pelo eleito. Trata-se de uma prática obscura, não transparente, que a ECFP tem vindo a combater.

Bens do partido e trabalho de militantes e simpatizantes
A solução imposta pela nova Lei n.º 55/2010 de que a utilização dos bens afectos ao património do partido político, bem como a colaboração de militantes e simpatizantes, não são consideradas nem como receitas nem como despesas, implicou uma alteração ao trabalho de controlo da ECFP que avaliava, contabilisticamente, todos os meios utilizados em campanha.

Agora, com o argumento de que os imóveis, e até os móveis (por exemplo, viaturas) pertencem ao partido e por isso não têm que ser avaliados, ou que os meios envolvidos na campanha foram postos à disposição pelos militantes gratuitamente, ou ainda que correspondem a tarefas gratuitas (como concepção de sites e produção de conteúdos, contabilidade, actuação de artistas, deslocações, etc.) destes, e que não carecem de ser incluídos nas contas, subverte a valorização que antes era exigida, constituindo uma porta aberta à utilização indiscriminada de tarefas a título gratuito.

Áreas sem qualquer regulamentação
À margem de qualquer regulamentação foram identificadas várias actividades dos partidos que envolvem fluxos financeiros que escapam à lupa fiscalizadora.

Eleições internas dos partidos
As candidaturas a eleições internas nos partidos políticos, por exemplo, nas chamadas eleições primárias para a escolha de um dirigente superior, como secretário-geral ou presidente da comissão política nacional, não estão contempladas na lei.

Tal lacuna tem sido denunciada no debate público, havendo quem defenda a sua regulação legal em termos idênticos ao das campanhas das eleições externas e fiscalizável pelo mesmo órgão. Uma das questões suscitadas tem sido a de que, na eleição interna, se poderia defraudar a regra legal da proibição de donativos por pessoas colectivas, abrindo-se assim a porta a um financiamento informal que seria ilegal.
A matéria continua a não ter qualquer tratamento legal expresso, pelo que, caso sejam utilizados meios e recursos do próprio partido na promoção dessas candidaturas internas, a ECFP terá acesso aos mesmos e poderá controlá-los. Caso os recursos sejam disponibilizados por terceiros para o mero e único efeito da promoção da candidatura interna, a ECFP, caso não se possa socorrer da figura do donativo indirecto, não poderá considerar tal financiamento.

Quotas pagas por interessado em ser eleito
O pagamento de quotas de muitos militantes por algum filiado com interesse em obter o maior número de votos internos para ser eleito para determinado posto a nível local é uma situação que tem vindo a ser denunciada nalguns partidos, a ter eco na comunicação social e até a ser objecto de investigação policial. Tal situação resulta da obrigatoriedade geralmente estabelecida nos estatutos partidários de só poder ser eleitor quem tenha as quotas em dia.

Este tipo de actuação é insusceptível de ser controlado por auditorias que apenas verificam os montantes das quotas pagas e não pagas, não sendo de todo praticável verificar ao detalhe se foi o próprio militante que pagou a sua quota ou alguém por ele, ainda que esteja generalizado o sistema de transferência bancária para tal efeito.

Financiamento por fundações políticas e associações políticas
Actualmente, em Portugal, não estão incluídas nem reguladas de forma específica as fundações de carácter político ligadas aos partidos, já que têm personalidade jurídica própria. Entende-se que estas não podem financiar partidos, e de certo modo verifica-se que a sua actividade foi esmorecendo. Contudo, a ECFP verificou recentemente um fenómeno de sinal inverso, ao detectar situações em que os partidos financiam fundações que lhes são próximas, o que parece à ECFP ser ilegal, por violação do princípio da especialidade. Deve equacionar-se legislar em Portugal sobre este assunto, à semelhança da legislação europeia.

Quanto às associações políticas que se constituem para apoiar candidatos às eleições presidenciais e às eleições autárquicas (associação dos Amigos de Fulano), verificou-se no passado recente a utilização dessa forma para ultrapassar dificuldades e constrangimentos resultantes da lei. Essas associações movimentam fluxos financeiros fora da área regulada e destinam-se a promover candidaturas fora do período eleitoral, escapando, quer por natureza da entidade promotora, quer por razões temporais, às regras apertadas da legislação do financiamento eleitoral (porque actuam em período não eleitoral) e partidário (porque não são partidos).

A ECFP tem actuado no sentido de recomendar que tal tipo de associações (comuns nas eleições autárquicas e presidenciais) não pode movimentar fluxos financeiros para acções de campanha eleitoral.

Despesas e receitas pré e pós-eleitorais
Na sequência do ponto anterior, verificou a ECFP em eleições presidenciais para candidatos presidenciais e em eleições autárquicas para grupos de cidadãos eleitores, que as despesas pré e pós-eleitorais não são objecto de regulação. Como a lei só se aplica desde o início do período eleitoral até ao dia das eleições, se houver despesas e receitas antes ou depois, não há normativo legal que as contemple. As contas da campanha podem então ser encerradas com uma série de dívidas não pagas, para as quais a ex-candidatura pode tentar arrecadar, depois do acto eleitoral, receitas que antes eram legalmente proibidas. Aqui a ECFP ainda que invoque que houve fraude à lei, o que tem feito, não obtém transparência de solução. Este é outro aspecto que deverá ser equacionado em futura alteração da legislação do financiamento partidário.

Colaboração com outras entidades
Na última parte do relatório, a ECFP identifica algumas falhas na colaboração com outras entidades com quem tem de trabalhar para a elaboração das auditorias. Queixa-se, desde logo, que as instituições de crédito e as empresas fornecedoras de bens e serviços nem sempre correspondem às suas solicitações, apesar de terem a obrigação legal de o fazer. E recomenda que sejam equacionadas sanções para a violação deste dever, “e sobretudo, estabelecer-se uma clara distinção com a lei do sigilo bancário que deve ceder perante a legislação do financiamento partidário”.

A ECFP identifica também fragilidades no cumprimento das obrigações fiscais sobretudo por parte das candidaturas às eleições autárquicas, “em que o financiamento informal, quer por razões culturais, quer por razões de atraso/iliteracia financeira ou outras, assume maiores proporções”. Por isso recomenda: “As regras do financiamento partidário em matéria de eleições autárquicas carecem de revisão”.

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