Em Alepo grita-se: “O silêncio do mundo está a matar-nos”

Nações Unidas avisam que 1,7 milhões de pessoas estão agora sem água canalizada.

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O bairro de Tariq al-Bab, em Alepo, controlado pelos rebeldes, foi um dos alvos dos bombardeamentos Abdalrhman Ismail/AFP

Depois do dilúvio de bombas dos últimos dias, “qualquer pessoa que continue a viver em Alepo está cheia de raiva. Deus castigue a humanidade se foi nisto em que ela se tornou”. O desalento de uma enfermeira era total quando no sábado várias crianças com ferimentos graves deram entrada no hospital onde trabalha.

A intenção do regime é conquistar toda a cidade, a segunda maior do país. E não tem poupado esforços: durante a noite de sexta-feira para sábado, as bombas caíram em intervalos curtos num ataque feroz – o mais feroz desde o início dos combates na região, em 2012. A destruição é esmagadora, segundo vários testemunhos.

“Os ataques e massacres não param”, continua a enfermeira, citada pelo Guardian antes de enumerar uma lista de horrores: “Bombardeamentos, cercos, pessoas sem casa, exaustão, medo, falta de electricidade. O silêncio do mundo está a matar-nos”, acusa. As crianças “perdem os seus membros e tornam-se deficientes para a vida, e o seu único pecado é serem as crianças da Síria.”

Não se sabe ainda quantas pessoas terão morrido. O Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH, uma organização não governamental com base em Londres) começou por falar em 27, mas várias fontes locais, como Hamza Al-Khatib, director de um hospital, apontou para 91 mortos, segundo o Le Monde. A Al Jazeera falava em 50 mortos no espaço de 24 horas. Os números poderão ser muito mais elevados do que qualquer destas estimativas, já que não se sabe quantas pessoas estão debaixo dos escombros.

Os bombardeamentos danificaram três instalações médicas e dois centros dos Capacetes Brancos, bem como vários dos seus veículos. E segundo este grupo voluntário de resgate, mais de 40 edifícios ficaram destruídos. Um deles, no bairro de Bab al-Nairab, caiu sobre uma menina de cinco anos, Rawan Alowsh, que foi salva numa operação filmada pela Sky News. Mas nem os pais de Rawan nem os seus quatro irmãos tiveram a mesma sorte.

Uma das emergências agora é a água, que segundo as Nações Unidas não está a chegar a 1,7 milhões de pessoas. Na sexta-feira, os ataques deixaram a estação de Bab al-Nayrab sem funcionar, cortando o fornecimento a 250 mil pessoas no Leste de Alepo. Como resposta, a estação de Suleiman al-Halabi, que abastece 1,5 milhões na zona Oeste da cidade (controlada pelo Governo), foi desligada, denunciou a Unesco, a agência da ONU para as crianças.

“Quase dois milhões de pessoas em Alepo estão uma vez mais sem água canalizada da rede pública”, afirmou Hanaa Singer, representante da Unicef na Síria, citada pelo Guardian. “Privar crianças de água é colocá-las em risco de surtos catastróficos de doenças e aumenta o sofrimento, medo e horror em que as crianças de Alepo vivem ao longo de todos os dias”, continuou, adiantando que na parte oriental da cidade, a população terá de recorrer a água contaminada. A ONU acusa os dois lados do conflito de estarem a usar a água como arma de guerra.

De acordo com opositores ouvidos pela Reuters, as bombas atingiram pelo menos quatro das zonas que controlam, no Leste de Alepo, onde vivem mais de 250 mil pessoas, e trouxeram mais destruição do que qualquer ataque lançado antes contra a região. Algumas imagens dos locais atingidos mostram crateras de vários metros de largura e profundidade.

“As nossas equipas estão a reagir mas não é o suficiente para dar conta de uma catástrofe destas dimensões”, admitiu à Reuters Ammar al Selmo, chefe da Defesa Civil na zona controlada pelos rebeldes.

Os ataques permitiram ao regime de Bashar al-Assad reconquistar terreno a norte de Alepo. Segundo a Al Jazeera, o campo de Handarat tornou-se no primeiro avanço considerável do Governo na sua ofensiva contra os rebeldes. A zona, num terreno elevado sob as principais vias para Alepo, tem estado há anos nas mãos dos opositores, adianta a estação.

O fim de umas tréguas de sete dias (acordadas entre os EUA e a Rússia) deu lugar a um bombardeamento implacável. Uma fonte militar síria adiantou à Reuters que a operação anunciada na quinta-feira à noite estava a progredir de acordo com o planeado e que “um grande número de terroristas” foram mortos. Acrescentou que as suas forças estão a usar armas de precisão “adequadas à natureza dos alvos, de acordo com o tipo de fortificações”, como túneis e bunkers, e “especificamente, centros de comando”. O Exército mantém que o seu alvo são os que combatem as forças de Damasco, e não os civis.

Para um alto responsável de uma facção rebelde de Alepo, a Frente do Levante (islamista), as armas parecem ter sido criadas para derrubar edifícios inteiros. “A maioria das vítimas estão debaixo dos escombros porque mais de metade da defesa civil foi obrigada a ficar fora de serviço”, acusou.

Um dos residentes comentou à Reuters: “Cada míssil provoca um tremor de terra que sentimos independentemente da distância a que está o bombardeamento”. 

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