“É minha intenção promover uma auditoria interna aos procedimentos” do IEFP

António Valadas da Silva, presidente do instituto, diz que auditoria vai arrancar "proximamente". Objectivo é "identificar áreas e aspectos de melhoria" para evitar fraudes no uso do programa de estágios e nos outros apoios ao emprego.

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Valadas da Silva abre a porta a um reforço do papel do IEFP na relação contratual entre empresas e estagiários DR

Na sequência das denúncias sobre a utilização ilegal, por parte de algumas empresas, do programa de estágios financiados pelo Estado, o presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) vai pedir uma auditoria interna aos serviços para perceber se todos os procedimentos de acompanhamento dos estagiários foram respeitados. António Valadas da Silva, que assumiu a presidência do IEFP em Junho, garante que a auditoria vai arrancar “proximamente” com o objectivo de “identificar áreas e aspectos de melhoria” e melhorar o acompanhamento dado aos estagiários. O responsável diz ainda que, logo que o Conselho Nacional de Juventude lançou o alerta de que há empresas a obrigar os estagiários a devolver-lhes parte da bolsa ou a pagar todos os encargos com a Segurança Social, reforçou as instruções aos serviços regionais e locais para sinalizarem “qualquer denúncia, por mais ténue que seja”. Valadas da Silva reconhece que poderá ser necessário alterar as regras dos estágios, mas ao mesmo tempo alerta que o programa é muito importante para a entrada dos jovens no mercado de trabalho. Uma das hipóteses em cima da mesa é o IEFP passar a estabelecer uma relação contratual com o estagiário.

O IEFP diz que, até à passada segunda-feira, não tinha conhecimento de qualquer denúncia oficial relacionada com a “extorsão” das bolsas aos estagiários por parte de algumas empresas. Há, contudo, estagiários que garantem que falaram destas práticas a técnicos de centros de emprego. Não deveria ter sido dada maior atenção a estes testemunhos?
Antes de mais, deixe-me esclarecer que há vários motivos de incumprimento dos estágios [ocupação efectiva de um posto de trabalho, incumprimento do plano de estágio, dívidas ao estagiário]. O que foi noticiado e que é propalado como uma mega fraude – que tem a ver com aquilo a que se chamou a extorsão das bolsas aos estagiários, em que os estagiários são coagidos pela empresa a receber menos do que aquilo a que teriam direito - é uma situação relativamente à qual tivemos, até hoje, três queixas concretas, que, de resto, já encaminhámos para o Ministério Público.

Qual é o procedimento que um técnico de emprego deve adoptar perante um testemunho não formal?
Sempre que há notícia de uma queixa, seja presencial, seja por via electrónica, seja anónima ou identificada, o IEFP promove imediatamente uma averiguação. A partir do momento em que uma pessoa relata uma ocorrência, para aquele funcionário público é uma queixa e ele tem a obrigação de a encaminhar.

O estagiário que apresentou agora uma das três queixas ao IEFP, e que diz ter sido obrigado pela empresa a devolver parte da sua bolsa, deu conhecimento ao Centro de Emprego de Évora no início de Agosto (antes de o Conselho Nacional de Juventude ter denunciado a fraude). Como é que o IEFP não teve conhecimento dessa queixa?
Tanto quanto pude analisar o processo, a divulgação dos factos que configuram um ilícito penal é feita detalhadamente à CGTP [que entregou a queixa ao IEFP]. Os nossos serviços de Évora têm efectivamente uma queixa, mas onde não resulta nada claro o que se passou. Não lhe parece estranho que, sendo uma mega fraude propalada por todos os meios de comunicação, o IEFP só tenha notícia concreta de três casos?  

Um estagiário que chegue a uma empresa onde outros estagiários levantam todos os meses dinheiro para dar à empresa, pode achar que esta prática é normal. Ou pode não denunciar porque precisa do estágio…
Compreendo que possa haver razões [para não denunciarem] e que haja receio do próprio estagiário. O facto de estar a dizer que só temos três queixas, não significa que não são importantes. Nem que fosse só uma. É importante que o IEFP possa actuar, em nome do interesse público e da defesa da transparência e da credibilidade da medida [Estágios-Emprego]. Temos estas três queixas e admito que possam surgir mais. Logo que a notícia foi propalada, foram reforçadas as instruções aos serviços regionais e locais no sentido de sinalizarem e encaminharem para os nossos serviços de emprego e de auditoria qualquer denúncia, por mais ténue que seja.

Esse não deveria ser o procedimento normal?
É esse o procedimento. Por isso é que eu disse que foram reforçadas as instruções.

A ideia que fica deste processo é que o IEFP não exerce um controlo suficientemente eficaz do programa de estágios e que os estagiários ficam entregues a si próprios. Vai mudar alguma coisa na forma como é feito o controlo?
Quando me está a dizer que o instituto não controla, não é verdade.

Perante o caso agora noticiado, não deveria haver um acompanhamento mais próximo dos estagiários?
A relação jurídica que existe não é entre o estagiário e o IEFP, mas entre o IEFP e a entidade empregadora, que assina um termo de aceitação e que assume um conjunto de obrigações e deveres. Quando o estágio é aprovado, o estagiário é desde logo informado pelo técnico de emprego dos direitos e obrigações que decorrem do contrato de estágio que é celebrado entre o jovem e a empresa, da existência de um orientador de estágio e de que é feito um inquérito.

Uma das perguntas que se faz nesse inquérito é se “estão a ser integralmente cumpridas as normas do contrato, nomeadamente, no que respeita aos pagamentos”. O inquérito é feito com que periodicidade? A resposta é anónima?
É um inquérito trimestral, dirigido ao estagiário.

Retomo a pergunta: não deveria haver mais acompanhamento?
Como lhe disse, foram dadas instruções aos serviços regionais e locais no sentido de ser reforçado o acompanhamento destas situações. Além disso, é minha intenção promover uma auditoria interna aos procedimentos dos serviços, no sentido de verificar se efectivamente estão a ser cumpridos e se necessitam, em alguns aspectos, de ser reforçados. Essa auditoria vai arrancar proximamente, para identificar áreas e aspectos de melhoria, para que possamos reforçar a intervenção do instituto no âmbito da execução das políticas de emprego e formação profissional, mas também para que possamos defender os próprios estagiários e para que eles possam estar mais acompanhados.

Estamos a falar de milhares de estágios. Por isso é que faço questão de distinguir os motivos do incumprimento e das irregularidades. No ano passado, tivemos mais de 70 mil estágios e este ano já temos 33 mil estágios. Estamos a falar de uma medida que, em termos de volume e em termos qualitativos, é muito importante. Por isso, não podemos condenar um instrumento extremamente positivo para a activação sobretudo dos jovens, que lhes abre a porta a um emprego. A medida tem, aliás, uma empregabilidade bruta [toda e qualquer inserção em emprego, mesmo recorrendo a outros apoios do IEFP] muito elevada [de 67%, segundo um estudo apresentado pelo Governo] e mesmo a empregabilidade real [que não tem em conta o emprego apoiado pelas medidas do IEFP] é muito importante [38%].

Neste momento não pode dizer “nós falhámos” ou os técnicos de emprego falharam?
Não posso dizê-lo. Era estultícia da minha parte, não estaria a ser correcto, nem honesto comigo, nem com os meus funcionários. Não posso fazer uma afirmação dessas quando, relativamente a esta fraude, tenho três casos.

Admite que possa haver pessoas que falaram com técnicos de emprego que, por sua vez, não valorizaram os relatos?
Tenho as maiores dúvidas. Os nossos trabalhadores são muito experientes, acompanham as pessoas. É evidente que, como em todos os lados, há sempre falhas, ninguém é perfeito, mas a experiência que tenho do exercício de funções noutros organismos é que os nossos funcionários públicos são pessoas conscientes.

Às vezes quer dar-se a ideia de que o instituto não actua, o que não é verdade. Os mais de 1398 casos de incumprimento detectados [em 2014] provam que nós actuamos. São casos de dívidas aos estagiários, não cumprimento do plano de estágio, incumprimento de horários… Alguns destes casos são detectados quer pelo controlo interno feito pelo IEFP, quer pelo controlo feito pelos diferentes serviços no âmbito do Fundo Social Europeu, pelo Tribunal de Contas, pela Inspecção-Geral de Finanças ou pela inspecção do ministério [do Trabalho e da Segurança Social].

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Nos últimos anos quantas cessações de contrato de estágio registaram?
O pico foi em 2015, com 5384; seguidas, em 2014, por 3743. Em 2016 temos conhecimento, até à data, de 1778.

Quais são as garantias dadas ao estagiário quando o contrato não é respeitado?
O contrato é estabelecido entre o estagiário e a empresa. O instituto, sempre que há uma situação controversa ou, por exemplo, dívidas no pagamento da bolsa, actua em apoio ao estagiário e contacta a entidade patronal para a levar a regularizar a situação no prazo de 30 dias. Se não regularizar, haverá um projecto de decisão a dizer não regularizou, será revogado o apoio e exigida a devolução dos apoios concedidos até então. Caso a empresa não faça a devolução, essa dívida [ao IEFP] vai para cobrança coerciva.

E a dívida ao estagiário? Quem é que a paga?
O estagiário terá sempre os mecanismos normais…

Ir para tribunal?
Terá sempre essa possibilidade. O IEFP não pode substituir-se à empresa, até porque não é parte na relação contratual [com o estagiário].

O IEFP não deveria fazer parte dessa relação contratual?
Como sabe, é intenção do Governo, e está em discussão com os parceiros sociais, fazer uma reformulação das medidas de política activa de emprego. Porventura essa será uma questão a ponderar, no sentido de reforçar o apoio e a protecção do estagiário. Admito que sim, mas as medidas estão em discussão e não queria estar a fazer futurologia. Seria importante pensar em mecanismos de reforço do apoio e, nomeadamente, haver uma maior selectividade das empresas cumpridoras, sobretudo as que contribuem positivamente para a criação de emprego.

Também do lado das empresas há queixas de que, por vezes, o apoio do IEFP chega a meio do estágio ou quando já terminou. A que se deve isto?
Admito que possa haver algumas situações de atrasos. Tem a ver com o próprio processo, as candidaturas que precisam de ser analisadas e tem de ser ponderado um conjunto de requisitos. Mas isto não pode ser um pretexto, nem uma justificação, para a prática de uma acção censurável a todos os níveis, desde logo ao nível penal.

Como é feito o controlo dos Estágios-Emprego? É meramente administrativo ou o IEFP vai às empresas?
Os serviços de emprego falam com o orientador do estágio, há visitas de acompanhamento às entidades, falam com o estagiário. De 2014 até agora, foram visitadas à volta de 16 mil empresas. Estas acções de controlo incluem aquelas que decorrem de indícios ou de suspeitas de irregularidade e o controlo normal da medida. Na maioria dos casos, quando a empresa é confrontada com uma irregularidade, repõe a regularidade.

O programa Estágios-Emprego tem sido muito criticado, por sindicatos e associações, por alegadamente apoiar emprego precário. As denúncias agora conhecidas põem em causa a credibilidade da medida?
Em determinadas situações admito que a medida possa ter sido utilizada de forma menos correcta, em que o estágio, em vez de servir como uma experiência, estava a ser utilizado para preencher um posto de trabalho. Esta é uma medida que já existe desde 1997 e que tem servido a empregabilidade dos nossos jovens. As taxas de empregabilidade estão aí para prová-lo.

Em 2014, a medida foi alargada e passou a apoiar também estágios para acesso a profissões reguladas. Esse alargamento abre a porta a um aumento das irregularidades? A denúncia do Conselho Nacional de Juventude, que deu origem às notícias, incidia sobre gabinetes de arquitectura, de psicologia e escritórios de advogados.
Não, não acredito que seja assim.

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