A pena de morte só ia “criar heróis e Erdogan sabe disso”

Os líderes turcos falam no regresso da pena capital por “puro eleitoralismo”; na prática, isso não serve os seus interesses.

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O povo exige a pena de morte, diz o Governo de Ancara Ammar Awad/Reuters

Sakir Dincsahin tinha cinco anos a última vez que alguém foi executado por ordens do Estado na Turquia e não acredita que a pena de morte vá regressar. “Esta conversa é só retórica eleitoralista”, diz, numa conversa com vista para o Bósforo e para a Turquia europeia.

Desde a tentativa de golpe fracassada, há uma semana, que o Presidente, Recep Erdogan, e os líderes do seu AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento), no Governo, defendem que se essa for a vontade do povo importa pouco a opinião da União Europeia (à qual, na prática, o país ainda quer aderir). “O povo exige a pena de morte e a sua vontade será avaliada. Temos de avaliar essa vontade do ponto de vista da lei, não de acordo com o que diz a UE”, repetiu esta sexta-feira o ministro da Justiça, Bekir Bozdag.

A Turquia aboliu a pena de morte em 2004, como parte das obrigações no processo de adesão à UE, mas já ninguém era executado desde 1984. Dos mais de 400 enforcamentos entre 1923 (fundação da República) e essa data, a maioria aconteceu na sequência dos golpes de Estado bem-sucedidos. Para o académico Dincsahin, “como as pessoas estão a pedir a pena de morte, eles dizem ‘está bem, claro, vamos ver’, mas vão acabar por admitir que não é possível, só não o dizem já porque não querem alinear eleitores”.

Erdogan prometeu “um castigo pesado” para os conspiradores. Mas Dincsahin lembra que “mesmo que o Parlamento passasse uma resolução a permitir a reposição da pena de morte não seria possível punir estas pessoas retrospectivamente”. Aconteça o que acontecer, “o princípio universal de que não se pode julgar pessoas com leis que não existiam quando elas cometeram os crimes também se aplica aqui”.

Mas ainda mais importante, diz o professor de Política Turca, é que “a pena de morte cria sempre heróis e Erdogan sabe disso”: “O primeiro-ministro [Adnan Menderes, um dos modelos políticos de Erdogan] e dois ministros derrubados no golpe militar de 1960 foram enforcados e ainda hoje são heróis, tanto para a esquerda como para a direita”. Dez anos depois, em 1971, “três militantes de esquerda foram executados; para a esquerda turca, continuam a ser heróis”. Todos “os heróis têm seguidores”, sublinha Dincsahin. “Transformar golpistas em heróis não serve os objectivos do AKP.”

 

 

 

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