Ciência em Portugal vai ter “orçamento participativo” em 2017, diz Manuel Heitor

Ministro anunciou que 1% do financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia será destinado a projectos de investigação de iniciativa do público.

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Virgílio Rodrigues

No primeiro de três dias do Encontro Ciência 2016, onde cientistas de todo o país divulgam em Lisboa o seu trabalho, o ministro da Ciência Manuel Heitor anunciou que, a partir de 2017, até 1% dos fundos da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) serão usados para um “orçamento participativo”.

Com isto, pretende-se que haja a “implementação de novos projectos e agendas de investigação definidas por iniciativa pública”, disse o ministro, na sessão de abertura do encontro, esta segunda-feira. Na proposta de Orçamento do Estado para 2016 estão previstos 425,7 milhões de euros para a FCT. Por isso, se a proposta já estivesse em vigor, haveria um pouco mais de quatro milhões de euros para estes novos projectos.

O orçamento participativo é uma iniciativa democrática usada por várias câmaras municipais, onde os cidadãos votam em projectos de todo o tipo criados por pessoas e organizações. Depois, as câmaras disponibilizam um orçamento para levar a cabo os projectos mais votados. Esta é uma forma de pôr na mão das pessoas o destino de parte do dinheiro das autarquias.

No caso do “orçamento participativo de ciência e tecnologia”, os contornos do processo serão diferentes. As ideias para projectos poderão nascer dos cidadãos, mas terão de ser “validadas pela comunidade científica”, disse Manuel Heitor ao PÚBLICO. “Vamos ter um comité de selecção de propostas”, acrescentou. Depois, serão os investigadores que terão de trabalhar nesses projectos. “A ideia é estimular uma relação de confiança entre a população e os investigadores”, explicou. Mas, “os detalhes são para ser pensados nos próximos meses”.

Em 2017, há mais uma novidade para toda a comunidade científica. Os institutos de ciência e tecnologia vão ter indicações por parte do Ministério da Ciência para usar 5% do seu financiamento público, vindo dos orçamentos plurianuais das instituições e dos projectos, para “actividades de divulgação e participação pública”, anunciou o ministro.

Estas duas medidas fazem parte de uma estratégia para a ciência se abrir à sociedade em resposta a dois desafios identificados por Manuel Heitor: a capacidade de a ciência dar resposta aos problemas sociais e o “desafio dos colectivos”. Para o ministro, as instituições científicas devem “construir colectivos, facilitadores da co-criação de novo conhecimento” para combater o “individualismo na actividade científica e académica”.   

Nesse sentido, o Encontro Ciência 2016 – que vai na quinta edição, após uma interrupção entre 2011 e 2015, durante os governos de Pedro Passos Coelho – é não só uma tentativa de aproximação do público ao que está a ser feito nas várias áreas científicas, mas também a oportunidade de os cientistas descobrirem novidades de outras áreas. Na iniciativa, que decorre no Centro de Congressos de Lisboa, abordam-se temas como novas migrações, agricultura sustentável, ciência polar ou nanotecnologia. A entrada é livre.

Também Carlos Moedas, comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, bateu na tecla da importância da Europa como um continente aberto à ciência, num mundo pós-“Brexit”. “A campanha pela saída [do Reino Unido da União Europeia] apelava contra a ciência”, disse o comissário na sessão de abertura.

Uma medida contra este isolamento, que a Comissão Europeia tomou em Maio, é a divulgação dos dados produzidos na investigação e o acesso livre das publicações científicas europeias financiadas com dinheiro público a partir de 2020. O acesso às descobertas científicas tem dependido da compra das revistas onde os artigos científicos são publicados. Nos últimos anos, gerou-se uma discussão internacional sobre esta questão. Uma grande parte da investigação é financiada com dinheiro público e muitos críticos consideram imoral que os resultados da investigação não estejam disponíveis livremente. “Esta decisão terá um impacto extraordinário nas nossas vidas”, antecipou Carlos Moedas.

Até quarta-feira, o Encontro Ciência 2016 irá reunir 300 oradores de 200 instituições. Os 20 anos da agência Ciência Viva, que promove a cultura científica no país, também serão comemorados. A agência é uma marca deixada por José Mariano Gago, ex-ministro da Ciência que morreu em 2015, e considerado grande responsável pelo avanço da ciência em Portugal. A sua memória foi evocada várias vezes na sessão de abertura, incluindo pelo primeiro-ministro, António Costa, que resumiu a ideia do encontro: “Assumir a ciência e o conhecimento como motor do progresso e do desenvolvimento do país e da Europa.”

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