Sinais de alívio no BCE com o impacto moderado do “Brexit” nos mercados

Economistas reunidos em Sintra alertam para o risco de um impacto negativo adicional na economia, quando os bancos centrais já têm poucos instrumentos para usar.

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BCE não deverá tomar medidas adicionais Ralph Orlowski/Reuters

Foi apenas ao fim de dois dias de debate sobre política monetária que os participantes do Fórum do Banco Central Europeu começaram a discutir o tema que todos verdadeiramente tinham na cabeça. Altos dirigentes de bancos centrais e economistas reunidos na Penha Longa, em Sintra, deram a sua opinião sobre a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia, com os responsáveis do BCE a mostrarem alívio pelos sinais de estabilização dos mercados, mas com muitos avisos a serem feitos sobre a dificuldade que bancos centrais e governos podem ter e responder a uma situação de crise.

Mesmo antes de se começar a falar do “Brexit”, este tema já tinha desempenhado um papel determinante no decorrer dos trabalhos do Fórum (um evento anual realizado desde 2014 pelo BCE em Sintra), já que conduziu à ausência inesperada das principais figuras do encontro: o governador do Banco de Inglaterra, Mark Carney, a presidente da Reserva Federal, Janet Yellen, e o presidente do BCE, Mario Draghi, que realizou apenas o discurso inicial.

Por isso, no painel final organizado de urgência para substituir estes líderes de alguns dos principais bancos centrais do mundo, coube a Vítor Constâncio, o vice-presidente, transmitir a posição do BCE sobre as implicações económicas e financeiras dos resultados do referendo britânico. E a ideia fundamental que transmitiu foi a de que, nos mercados, “as previsões ultrapessimistas que foram feitas inicialmente não se concretizaram”.

“O ‘Brexit’ não criou uma falha sistémica”, disse Vítor Constâncio, aproveitando para deixar uma crítica a um antigo presidente da Fed: “Alan Greenspan disse que poderíamos estar perante um novo Lehman Brothers [o banco cuja falência desencadeou a crise financeira internacional em 2008]. Bom, Greenspan estava errado”.

Apesar de reconhecer que não podia ainda “dizer com 100% de certeza” que um impacto mais negativo nos mercados poderia ainda acontecer, Constâncio não conseguiu disfarçar o alívio que os responsáveis do BCE têm perante uma reacção dos mercados que, apesar de quedas fortes iniciais, principalmente no sector bancário e na libra, não forçam o banco central a adoptar imediatamente medidas de emergência.

Até porque o BCE e os outros bancos centrais, como avisaram muitos dos economistas presentes, com as taxas de juro já em terreno negativo e com um volume considerável de medidas extraordinárias em vigor, já começam a estar limitados naquilo que podem fazer. E mesmo sem um colapso nos mercados, podem não ser capazes, sozinhos, de enfrentar mais um efeito negativo sobre a economia.

O economista norte-americano Alan Blinder foi um dos que deixou o aviso. “Os bancos centrais estão com pouco espaço de manobra, é preciso que seja feita mais alguma coisa a nível orçamental, apesar de isso me parecer improvável”, disse.

Na mesma linha, em declarações ao PÚBLICO à margem da conferência, Adair Turner, que já foi o presidente da entidade reguladora dos serviços financeiros no Reino Unido, defendeu que, embora sem um cenário tipo Lehman Brothers nos mercados, “o que vai acontecer é um crescimento mais lento tanto no Reino Unido como na Europa”, com o problema de isso acontecer quando “os bancos centrais em todo o mundo estão sem espaço para contrariar este cenário através da política monetária”.

Enquanto se espera pela clarificação do impacto total do Brexit na economia, o que parece neste momento muito provável é que, na próxima reunião do Conselho de governadores, o BCE opte por não tomar mais medidas do que aquelas que já estão em vigor. “Ainda temos instrumentos disponíveis para usar, mas também é verdade que já usámos muitos instrumentos”, disse Vítor Constâncio, aproveitando para convidar os governos a fazer mais. Depois de citar vários trabalhos académicos que defendem que a política orçamental resulta a dar um estímulo à economia, o vice-presidente do BCE lamentou-se: “parece que a política orçamental é proibida agora em vários países”.

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