Um aperto de mãos no espaço? É uma molécula quiral

Pela primeira vez foi detectada uma molécula quiral no espaço. Estas moléculas fazem parte dos seres vivos na Terra, mas ainda há muito por explicar sobre a sua origem. A descoberta, publicada na Science, pode ajudar a esclarecer o mistério.

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A nuvem de poeira e gás Sagitário B2, onde se detectou a primeira molécula quiral no meio interestelar ESO/NASA

Toda a gente usa a imagem de um par de mãos para explicar o fenómeno da quiralidade. A palavra “quiral” vem do grego kheir, que significa mão, mas isso não chega para explicar nada. Então vejamos: é impossível calçar uma luva da mão direita na mão esquerda, certo? Há moléculas que também são assim, assimétricas, que parecem ser a imagem no espelho uma da outra, mas que não são sobreponíveis. As moléculas quirais estão presentes em tudo o que é vivo na Terra e já tinham sido detectad as em meteoritos e cometas. Nunca no meio interestelar. Nunca, até agora. O artigo que coloca, pela primeira vez, uma molécula quiral no espaço foi publicado esta terça-feira na revista Science.

Uma equipa de cientistas norte-americanos conseguiu detectar moléculas de óxido de propileno (CH3CHCH2O) no meio interestelar. A descoberta foi feita analisando as ondas rádio provenientes de um pedaço do centro da nossa galáxia e, mais precisamente, de uma parte fria da bonita nuvem de poeira e gás que é conhecida por Sagitário B2. Para conseguir comprovar a presença destas moléculas foi preciso usar um poderoso radiotelescópio, o Green Bank Telescope (situado em Virgínia Ocidental, nos EUA), e ainda recorrer às observações feitas pelo radiotelescópio Parkes, na Austrália.

Até agora, já foram detectadas mais de 180 moléculas no espaço. Os cientistas procuram as “assinaturas” que estas estruturas deixam com as suas vibrações e tropeções no meio interestelar emitindo sinais que “escrevem” uma linha com uma série de picos detectados pelos radiotelescópios. Para confirmar a detecção de uma molécula de forma definitiva, os investigadores têm de observar várias linhas espectrais associadas à mesma molécula. No caso do óxido de propileno foram detectadas duas linhas com o Green Bank Telescope e uma terceira linha com a mesma assinatura foi observada com o radiotelescópio Parkes.  As observações do telescópio norte-americano foram obtidas no âmbito do projecto Primos (Prebiotic Interstellar Molecular Survey) que está a analisar o espectro da nuvem molecular Sagitário B2 através de uma vasta gama de frequências de rádio.

A vida só escolhe uma versão

“Esta é a primeira molécula detectada no espaço interestelar que tem a característica de quiralidade, o que representa um salto pioneiro para percebermos como é que as moléculas prebióticas são feitas no Universo e que efeitos podem ter na origem da vida”, refere Brett McGuire, químico do Observatório Nacional de Radioastronomia, na Virgínia (EUA), que assina o artigo, citado num comunicado de imprensa da mesma instituição.

Tal como se disse antes, as moléculas quirais têm duas versões assimétricas, uma orientada para o lado esquerdo outra para o direito. De acordo com os dados obtidos nesta pesquisa, não é possível perceber qual a versão “direita” e “esquerda” destas moléculas, que têm a mesma composição química, o mesmo espectro, os mesmos pontos de ebulição e congelamento. “Estes espectros são como as sombras das nossas mãos”, nota Brandon Carroll, químico do Instituto de Tecnologia da Califórnia, em Pasadena, outro dos autores do artigo, citado no mesmo comunicado de imprensa. “É impossível dizer se é a mão esquerda ou direita que está a projectar a sombra”, adianta.

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Quando falamos de quiralidade na Terra e constatamos que, na natureza, uma das orientações é a dominante, falamos de homoquiralidade. Os aminoácidos que compõem as proteínas no nosso organismo, por exemplo, são todos “canhotos”, a versão esquerda. Mas se olharmos para a ribose, um açúcar natural que se desenvolve no nosso corpo a partir da glicose, já só encontramos a versão direita desta molécula. Explicar porque é que a biologia prefere uma das versões é um dos actuais e grandes desafios dos cientistas. E a verdade é que faz toda a diferença, porque já se concluiu em experiências com moléculas quirais testadas para fármacos que, por exemplo, a versão direita de uma molécula pode ser eficaz e a versão esquerda dessa mesma molécula pode ser tóxica.

Alguns investigadores acreditam que a resposta poderá estar na forma como estas moléculas se formam no espaço, antes de serem incorporadas nos asteróides e cometas e, mais tarde, depositadas nos planetas. “Com a descoberta de uma molécula quiral no espaço temos finalmente uma via para estudar onde e como estas moléculas se formam antes de encontrarem o seu caminho até aos meteoritos e cometas, e também para perceber o papel que elas desempenham nas origens da homoquiralidade e da vida”, considera Brett McGuire.

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