Ted Cruz foi comparado a Lúcifer e até os satânicos ficaram ofendidos

"Dou-me bem com quase toda a gente, mas nunca trabalhei com um filho da mãe tão miserável em toda a minha vida", disse o antigo líder da Câmara dos Representantes, o republicano John Boehner.

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Ted Cruz tenta impedir Donald Trump de ser o nomeado do Partido Republicano Aaron P. Bernstein/Reuters

O caminho do senador Ted Cruz para um lugar na corrida à presidência dos Estados Unidos está cada vez mais recheado de obstáculos, mas poucos esperariam que uma conhecida e respeitada personalidade do Partido Republicano chegasse ao ponto de o comparar a Lúcifer – a figura que na mitologia cristã e nas letras de bandas como os Slayer é também conhecida como Satanás e que se apresenta como um homem rico e de bom gosto em Sympathy for the Devil, dos Rolling Stones.

Quem olha para as eleições primárias nos EUA a partir da Europa pode cair na tentação de ver em Donald Trump a razão de todos os males, mas em termos de fervor religioso ninguém chega aos calcanhares de Ted Cruz, o senador do Texas que ainda espera vir a ser o representante do Partido Republicano nas eleições para a Casa Branca.

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Por ironia do destino (e por força da entrada em cena de Donald Trump), Cruz viu-se nos últimos meses no papel de salvador da elite do Partido Republicano contra o imprevisível magnata do imobiliário – a ideia de grande parte do establishment é tapar o nariz e apoiar Ted Cruz, um homem que até há poucos meses era mesmo a personificação do mal para a esmagadora maioria dos seus colegas do Partido Republicano no Senado e na Câmara dos Representantes.

Essa imagem começou a ser construída com o apoio do movimento Tea Party na corrida ao Senado em 2012, e foi cimentada um ano mais tarde, quando liderou a paralisação do Governo americano (o shutdown) contra a reforma do sistema de saúde conhecida como Obamacare – o Partido Republicano acabou por perder esse braço-de-ferro com o Presidente Barack Obama e o senador do Texas carregou a cruz de ser um político indisciplinado que não aceitou as directivas da liderança do seu próprio partido.

Um dos seus maiores críticos foi o republicano John Boehner, então speaker da Câmara dos Representantes – o presidente da câmara baixa do Congresso norte-americano, uma função atribuída a um membro do partido que tem a maioria. A insistência de Ted Cruz em cortar o financiamento do Obamacare, mesmo que para isso tivesse de manter eternamente o Governo americano em serviços mínimos, foi mesmo um dos principais factores de desgaste para a liderança de John Boehner, que acabou por anunciar a sua retirada a 25 de Setembro de 2015 – um dia depois do discurso do Papa Francisco no Congresso.

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Talvez por isso, John Boehner não desperdiçou a oportunidade de picar Ted Cruz durante uma conversa na Universidade de Stanford, a meio da semana – uma conversa tão politicamente incorrecta que até Donald Trump teria dificuldades para superar.

Questionado sobre o que achava de Ted Cruz, Boehner começou por fazer má cara e depois respondeu: "Lúcifer em carne e osso." Animado pelas gargalhadas da assistência, na liberal Stanford, o antigo líder do Partido Republicano na Câmara dos Representantes foi por aí afora: "Tenho amigos democratas e amigos republicanos. Dou-me bem com quase toda a gente, mas nunca trabalhei com um filho da mãe [o original é son of a bitch; a tradução fica ao critério de cada um] tão miserável em toda a minha vida."

É compreensível que Cruz não tenha gostado de ser comparado a Lúcifer, mas a reputação do senador do Texas nos círculos menos conservadores é tão má, que nem os satânicos querem ser associados a ele.

Alguns sites, como o Huffington Post e o Patheos (que promove conversas sobre todas as religiões e também sobre ateísmo), quiseram saber a opinião da organização Satanic Temple sobre a acusação de John Boehner a Ted Cruz.

Apesar de se fazer representar com imagens que remetem para o satanismo, a organização Satanic Temple diz que promove o igualitarismo e a justiça social, e recorre muitas vezes à sátira para denunciar o que considera ser abusos da separação entre o Estado e a religião.

O seu co-fundador e porta-voz, Lucien Greaves, deu a entender que é ofensivo ser comparado a Ted Cruz, acusando o candidato à nomeação pelo Partido Republicano de ter "falhas de bom senso, compaixão, decência e humanismo". Esses atributos, continua Greaves, "são produto das suas baboseiras cristãs, se não mesmo uma autêntica fé cristã".

Em defesa dos princípios defendidos pela organização Satanic Temple, Lucien Greaves diz que "é cada vez mais entediante quando padres pedófilos e políticos repugnantes são convenientemente tratados como sendo satânicos, mesmo que cuspam versos bíblicos e que se prostrem perante a cruz enquanto recrutam fiéis cristãos. Os satânicos não querem ter qualquer relação com eles."

O líder da organização Satanic Temple é tudo menos um fã de Ted Cruz, mas a sua fúria dirige-se mais a John Boehner, a quem acusa de "não pensar muito sobre os assuntos". "Já é tempo de pararmos de acusar a filosofia satânica pelas actividades da fé cristã", disse Lucien Greaves ao Huffington Post. "Boehner está a tentar passar a mensagem de que se algo é mau e ele discorda, então é provocado por Satanás e Lúcifer; e se algo é bom, então o mérito é de Cristo. Esse é o problema da ideologia cristã."

Ted Cruz acusou o toque e respondeu à sua maneira, dando a volta às palavras e levando a audiência a crer que ser ofendido por John Boehner é um elogio. "Nunca trabalhei com o John Bohner. A verdade é que não conheço o homem. Encontrei-o duas ou três vezes na minha vida", começou por dizer Cruz.

"Quando o John Boehner me chama Lúcifer, o alvo dele não sou eu. O alvo são vocês. O Boehner não está zangado comigo por algo que eu tenha dito; ele está zangado comigo por eu estar ao lado povo americano, por tentar encorajar os conservadores da Câmara dos Representantes a estarem ao lado do povo americano e a cumprir os compromissos que assumimos", continuou Ted Cruz, ao lado da sua recém-nomeada candidata a vice-presidente, Carly Fiorina.

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