O Jesus Cristo do Bloco foi mesmo o superstar do dia

A imagem divulgada pelo BE com Jesus Cristo e uma frase a dizer que “também tinha dois pais” incendiou a polémica. Choveram críticas e mais críticas.

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O outdoor do Bloco no Campo Pequeno
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O outdoor do Bloco no Campo Pequeno DR

Foi o assunto do dia: partilhas no Facebook, piadas, indignação. Reacções do cardeal-patriarca de Lisboa, do porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, da Associação Novos Rumos – Homossexuais Católicos, de sociais-democratas, de centristas. Uma petição a pedir a retirada “imediata” dos cartazes “blasfemos e ofensivos”. Ao início da tarde, o próprio Bloco de Esquerda sentiu necessidade de fazer um esclarecimento. Nesta sexta-feira, muito se falou da imagem que o BE divulgou, na qual aparece Jesus Cristo e a frase a dizer “também tinha dois pais”. Faz parte de uma campanha mais vasta com o objectivo de celebrar a aprovação no Parlamento da adopção por casais do mesmo sexo.

Na quinta-feira ao fim da tarde, o PÚBLICO noticiou que o BE ia lançar uma campanha, nas ruas do país, que incluía um outdoor, um cartaz, autocolantes e uma sessão pública. À noite, bloquistas partilhavam o artigo no Facebook, sem reparos. No dia seguinte – depois de a notícia ter saltado logo durante a noite para outros órgãos de comunicação – as reacções começaram a cair em catadupa.

De manhã, chegava às redacções a indignação do porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, Manuel Barbosa: “uma afronta aos crentes”, “uma analogia sem sentido”. Também para o cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, a imagem "falseia a verdade". "Com certeza que Jesus sempre se referiu a Deus como seu pai, mas tinha uma mãe, que era Maria, casada com José, que adoptou Jesus", disse, citado pela Agência Ecclesia.

O CDS também não perdeu tempo. No Parlamento, aos jornalistas e citado pela Lusa, Pedro Mota Soares ressalvou que "a liberdade de expressão” é “total", mas há que ter em conta " a sensibilidade das pessoas". E aquela imagem é uma "ofensa gratuita à sensibilidade de muitos portugueses".

Também à Lusa, o social-democrata Fernando Negrão acusou o BE de “radicalismo” e disse – novamente “sem menosprezar o princípio da liberdade de expressão” – que os “cartazes são lamentáveis". “Sou adepto de usar o humor na política, acho que é saudável, mas não pode faltar ao respeito às crenças e às convicções dos portugueses", acrescentou, sobre o facto de um dos argumentos do BE ser o recurso ao humor.

Redes sociais
Ao início da tarde, o BE acaba por emitir um “esclarecimento” e por prestar declarações aos jornalistas no Campo Pequeno, Lisboa, onde já está o outdoor – o que tem a palavra “Igualdade”, não a imagem de Jesus Cristo. Respeitam "todas as convicções religiosas", queriam provocar o debate, "sem tabus”, e lembram que a frase é “um velho slogan do movimento internacional pela igualdade de direitos". Acrescentam, porém, uma nuance: afinal, a polémica imagem não se tratava de um cartaz para as ruas, mas para as redes sociais.

O PÚBLICO volta a contactar o BE para perceber se a polémica originou um recuo. O Bloco nega qualquer mudança de estratégia. Admite as explicações que deu ao PÚBLICO no dia anterior, mas, afinal, não era bem assim: a imagem de Jesus era mesmo só para as redes sociais.

Foi, aliás, no Facebook que a eurodeputada Marisa Matias foi questionada sobre o cartaz, considerando que "saiu ao lado da intenção que se pretendia", "foi um erro". Outros exemplos nas redes sociais: para Miguel Vale de Almeida, activista LGBT, naquela imagem “está tudo errado em vários planos”. Não percebe a razão de uma campanha para celebrar algo já conquistado, não percebe o recurso à religião, critica a “má pedagogia política de, uma vez mais, tudo ficar concentrado nos homens (os "dois pais")”.

Também o ex-bloquista Daniel Oliveira se pronunciou: “Há algumas décadas que se tenta tirar a religião do debate político sobre a igualdade de direitos. Deste ponto de vista, o cartaz do BE, para além de não acrescentar qualquer argumento ao tema, é um péssimo serviço a esta causa. Não me choca, mas é sinal de imaturidade política e um retrocesso no debate sobre os direitos LGBT.”

À direita, Carlos Abreu Amorim, por exemplo, escreveu que a imagem “é um esforço deplorável de ofender e de chocar”, que “o BE quer ser o Charlie Hebdo da política”, mas não percebe que “há condutas de uma revista humorística que não calham a um partido político.”

Durante a tarde, nos corredores do Parlamento, alguns deputados bloquistas, que não quiseram deitar mais achas para a fogueira com novas declarações, deixavam apenas perceber que já tinham passado horas ao telefone por causa da campanha. Não houve como escapar, o cartaz, que depois passou a chamar-se imagem, incendiou tudo.

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