Futuro de Rouhani e equilíbrio de forças em jogo nas eleições iranianas

Com o acordo nuclear ainda fresco, iranianos escolhem novo Parlamento e a assembleia que poderá vir a eleger o sucessor do ayatollah Ali Khamenei. Reformistas e moderados uniram-se para responder ao bloqueio dos conservadores.

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Milhares de candidatos foram excluídos da votação pelo Conselho de Guardiões Behrouz Mehri/AFP

Quase 55 milhões de iranianos são chamados nesta sexta-feira às urnas para eleger o próximo Parlamento (Majlis), numa votação que é vista, em primeiro lugar, como um referendo ao Presidente Hassan Rouhani e ao acordo nuclear em que ele jogou todo o seu capital político. Centenas de candidatos foram excluídos à partida, mas reformistas e moderados juntaram forças, numa tentativa para inverter o domínio absoluto dos conservadores – uma estratégia que pode ser ainda mais importante na eleição, que decorre em simultâneo, para a Assembleia dos Peritos, entidade que, dada a idade avançada do ayatollah Ali Khamenei, pode ser chamada a eleger o próximo Supremo Líder.

A complexidade do sistema de decisão política – as múltiplas camadas de poder, as voláteis alianças e as intrincadas teias de interesses e relações – somada a um férreo controlo da informação, dificultam a tarefa dos observadores, divididos entre os que afirmam que a eleição está definida à partida e aqueles que acreditam que o equilíbrio de forças que sair da votação ajudará a moldar o país durante pelo menos uma década.

“Estas são as eleições não-presidenciais com maiores consequências no Irão em pelo menos duas décadas”, disse ao jornal Washington Post Trita Parsi, presidente do Conselho Nacional Irano-Americano, sublinhando que um Parlamento mais cooperante é essencial para Rouhani, um moderado, conseguir fazer as reformas que prometeu quando foi eleito, em 2013. Mudanças que contam com a oposição de Khamanei e da maioria conservadora do Majlis, que vê com desconfiança a política de abertura do Presidente, e que não se poupará a esforços para bloquear a sua agenda, minando as suas hipóteses de reeleição, já em 2017.

Rouhani apostou tudo no acordo nuclear. Com o aval do Supremo Líder, que detém a última palavra na política externa do país, o Irão selou em Julho o entendimento com as potências internacionais, pondo fim mais de 10 anos de um diferendo que isolou o país e paralisou a economia. Mas as sanções só foram levantadas em Janeiro – o dinheiro desbloqueado e os contratos que começaram a ser assinados ainda não tiveram impacto no dia-a-dia da população. As exportações de crude também dispararam, mas com o preço a rondar os 25 dólares por barril as previsões de crescimento tornam-se menos optimistas.

Os conservadores não poupam críticas ao Governo, mas a estratégia da ala mais dura do regime para travar os ganhos de Rouhani e dos seus aliados não se fica por aqui. Dos 12 mil candidatos que se apresentaram às eleições, o Conselho dos Guardiões (organismo que vela pela conformidade das leis e dos titulares de cargos públicos) vetou mais de metade – sem surpresa, grande parte eram reformistas ou moderados. O Conselho “garantiu que haverá uma maioria conservadora no próximo Parlamento”, diz Ray Takeyh, especialista em política iraniana do Council on Forein Relations.

Mas a ala moderada não cruzou os braços, retirando lições do boicote decretado pelos reformistas às últimas legislativas – o protesto contra a repressão que se seguiu à revolta de 2009 deu aos radicais total controlo sobre o Parlamento. Apadrinhada pelo ex-Presidente reformista Mohammad Khatami, foi criada uma lista que agrega grande parte dos candidatos que sobreviveram ao veto do regime. A maioria são pouco conhecidos da opinião pública, mas em Teerão a lista é liderada por Mohammad Reza Aref, professor universitário que em 2013 desistiu da corrida presidencial permitindo a vitória de Rouhani à primeira volta.

Mesmo as previsões mais optimistas indicam que a coligação não conseguirá eleger mais do que 80 dos 290 lugares em disputa, um resultado que seria ainda assim visto como um importante impulso para Rouhani, que mantém boas relações com Ali Larijani, o pragmático presidente do Parlamento que chefia um grupo de 50 deputados conservadores. “Se conseguirmos convencer 10 a 20% dos indecisos a ir votar podemos ter um resultado histórico”, disse ao jornal Guardian Sadegh Zibakalam, candidato da aliança reformista.

A estratégia replica-se na eleição dos 88 religiosos que vão integrar nos próximos anos a Assembleia dos Peritos, votação que diz pouco à maioria dos iranianos, mas cujos resultados serão importantes para aferir o actual equilíbrio de poderes.

A instância saltou para os noticiários quando o Conselho dos Guardiões travou a candidatura de Hassan Khomeini, neto do fundador da República Islâmica e aliado de Khatami – dos 800 candidatos iniciais, apenas 161 foram aceites –, numa decisão que gerou protestos mesmo nos seminários de Qom. Em seu lugar, a lista dos “Amigos da Moderação” é liderada pelo ex-Presidente Ali Hashemi Rafsanjani e o próprio Rouhani.

Dada a disparidade de candidatos, é certo que a maioria da Assembleia será conservadora, mas Rafsanjani fixou como objectivo barrar a entrada dos ayatollahs mais extremistas da hierarquia iraniana, entre eles Ahmad Jannati, presidente do Conselho dos Guardiões. Uma jogada que tem em mira a possível sucessão de Khamenei – que tem 76 anos e vários problemas de saúde –, apesar de ser certo que na eleição do futuro líder iraniano os Guardas da Revolução, a todo-poderosa força de elite do regime, terão um papel decisivo, podendo à Assembleia não restar mais do que a validação da escolha.

Mas a linha dura não está disposta a arriscar. Khamenei avisou repetidas vezes que os inimigos poderiam usar as eleições para “se infiltrar” na hierarquia iraniana. “A linha dura está muito ansiosa com a possível sucessão e a futura direcção do país”, disse à Reuters Sanam Vakil, analista da Chatham House. Para isso, acrescenta, “o seu objectivo é impedir qualquer liberalização política ou social dentro do Estado”.

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