Governo dá novas medidas sociais sem impacto orçamental ao BE e ao PCP

Com o OE 2016 resolvido e com o Governo a dar à esquerda mais medidas sociais, a turbulência poderá não parar em 2017. O BE deverá insistir na reestruturação da dívida, enquanto o Governo não quer falar disso.

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As reuniões entre o Governo, o PS, o BE, o PCP e o PEV são um "modus vivendi" da actual legislatura Miguel Manso

O Governo deverá aceitar a proposta do BE de alargamento da tarifa social de energia e a redução da taxa máxima do IMI ou/e o congelamento das propinas do ensino superior em 2016 propostas do PCP, durante os trabalhos parlamentares de discussão na especialidade do Orçamento do Estado para 2016, a decorrer entre 24 de Fevereiro e 4 de Março e com votação a 14 e 15 de Março. A 16 de Março será a votação final global. De acordo com as informações a que o PÚBLICO teve acesso, estas medidas não irão aumentar a despesa nas contas públicas.

O objectivo do Governo é cumprir assim os acordos bilaterais que assinou com o BE, o PCP e o PEV e manter a meta estabelecida de que seria devolvido poder de compra às pessoas. O Governo está convicto de que "é possível no quadro europeu, viver melhor em Portugal". Para realizar as suas metas tem assim de negociar em permanência na frente europeia, mas também na frente interna com os partidos que o suportam parlamentarmente.

Estas medidas deverão ser aceites como compensação à esquerda pelo facto de o Governo ter sido obrigado, nas negociações com a Comissão Europeia, a deixar cair a redução da TSU para as pessoas com rendimentos até 600 euros, que tinha sido reintroduzida nos acordos bilaterais pelo BE, depois de o PS ter abandonado a versão inicial de baixa da TSU permanente para patrões e por oito anos para trabalhadores. A baixa da TSU das empresas foi recuperada entretanto por proposta das confederações patronais e é aprovada nesta quinta-feira em Conselho de Ministros.

Fora do OE
As negociações estão ainda a decorrer, mas o PÚBLICO sabe que o Governo está disponível para aceitar uma ou duas medidas das já anunciadas pelo PCP e que esta semana foram anunciadas para a discussão na especialidade pelo líder parlamentar do PCP, João Oliveira. O Governo inclina-se a aceitar a redução da taxa máxima do IMI de 0,5 para 0,4%, tendo em conta que esta medida não afecta o Orçamento de Estado directamente e que apenas atinge as principais câmaras.

Outra proposta do PCP que poderá ser aceite é a de que este ano não haja aumento das propinas no ensino superior. Mais difícil de concretizar parece ser a adopção da progressiva gratuitidade dos manuais escolares e as alterações das condições do subsídio social de desemprego.

Também este ano deverá ir para a frente ano o alargamento da tarifa social de energia para consumidores com vulnerabilidade económica proposta pelo BE, que incluirá a tarifa social que existe desde os Governos de José Sócrates e que é suportada pela EDP Produção, bem como o apoio social extraordinário que foi acrescentado pelo Governo de Passos Coelho e que é suportado pelo Orçamento do Estado.

A novidade na proposta do BE é que os custos da medida sejam suportados apenas pela EDP Produção e que saiam do Orçamento, onde representavam um encargo de seis milhões de euros. A expectativa é de que a medida usufruída por cem mil pessoas possa ser muito alargado, já que a ela terão direito automático os utentes abrangidos pelo abono de família de 1.º e 2.º escalão, pelo complemento social de idosos, pensão social de invalidez ou de velhice, subsidio social de desemprego, rendimento social de inserção.

A sombra da dívida
Com o OE 2016 encaminhado, o Governo prepara-se para a próxima ronda de negociações com a Comissão Europeia e com os parceiros parlamentares sobre o que deverão ser as opções orçamentais para 2017. O primeiro embate é já em Abril na previsão do semestre europeu.

De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, as negociações parlamentares "têm corrido bem, têm funcionado". O Governo informou o BE e o PCP das negociações com Bruxelas e tem havido preocupação do BE e do PCP em apresentar alternativas fiscais para arrecadar receita. O PCP e o BE têm pedido dados para fazerem a sua avaliação das contas públicas e fazerem as suas propostas, as quais obedecem à leitura que estes partidos fazem dos dados económicos, assim como às prioridades e às opções próprias e não coincidentes com as do PS, mas a negociação tem sido possível.

O Governo não está, porém, disponível para vir a introduzir qualquer tópico sobre reestruturação da dívida externa, pública ou privada, nas negociações com a Comissão Europeia. Esta posição foi reafirmada ao PÚBLICO por um membro do Governo, reagindo ao que é a posição aprovada no plenário nacional de sábado da Plataforma Unitária do BE, corrente interna que integra Catarina Martins, Marisa Matias, Mariana Mortágua, Francisco Louçã, João Semedo, José Manuel Pureza, Jorge Costa, José Soeiro, José Gusmão, Pedro Soares.

No comunicado da reunião de preparação da posição da Plataforma Unitária sobre a estratégia do BE a aprovar na Convenção deste ano, pode ler-se: "O Novo Banco e a dívida são, a curto prazo, pontos de divergência e potencial conflito com o PS e o Governo, para os quais nos devemos preparar". E concretizando, o documento afirma que "a dívida é um brutal constrangimento à política económica, ao investimento público, às políticas de emprego e ao financiamento do estado social", concluindo:" Sem outra política para a dívida, muito dificilmente o OE de 2017 continuará o sentido de mudança que, mesmo mitigada, encontramos no OE deste ano. A reestruturação da dívida continua no centro da nossa alternativa."

Em breve, vai ser constituído o grupo destinado a estudar a sustentabilidade da divida externa, pública e privada, um dos grupos saídos das negociações com o BE. Mas, de acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, "se o BE insiste nesta questão, é confrontado com o não do PS". Mais, o mesmo membro do Governo frisou: "O BE sabe que a experiência de confrontação já fracassou com a Grécia e com o partido irmão do BE, o Syriza, pelo que o BE não pode deixar de ter isso presente". E o mesmo membro do Governo concluiu: "O BE tem que ter em conta que se o seu objectivo é sair do euro, o Governo não tem esse objectivo."

O membro do executivo sustentou ainda que o Governo nunca falará em renegociação da dívida em público e "quando o Governo vier a falar com Bruxelas sobre a renegociação da dívida, fá-lo-á sempre nos bastidores, em privado, e deixará que seja a Comissão Europeia e as instituições a tomar a iniciativa de anunciar qualquer decisão nesse domínio". Isto porque, rematou "o PS é um partido europeísta e não mudará nisso". E indo mais longe, este membro do Governo contra argumentou: "Se a execução orçamental correr bem, não vejo como é que BE pode pôr em risco a manutenção do Governo. Se quiser correr esse risco, está à vontade, mas enquanto houver melhoria das situação das pessoas, não há campo para o Governo cair."

Gerir as negociações do OE2016 com a Comissão Europeia e com o BE, o PCP e o PEV, parece estar a ser mais fácil para o primeiro-ministro do que fazer passar a sua mensagem na comunicação social. Para ultrapassar essas dificuldades, o Governo decidiu passar por cima dos jornais, rádios e TVs e falar directamente ao povo. Assim, colocou na rua 16 ministros durante o fim-de-semana para explicarem o OE2016. E ele mesmo gravou um conjunto de vídeos em que defende a bondade das suas medidas.

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