Passos: Défice de 2,8% em 2016 “é deixar tudo na mesma”

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Daniel Rocha

Passos Coelho assume-se como líder da oposição e candidato a primeiro-ministro à frente do PSD. Considerando que o país vive num momento de viragem, lança desafios ao Governo do PS. Quanto ao facto de o PSD ter virado a direita, contesta e afirma: “A austeridade como se vê na Grécia não é de esquerda nem é de direita. Quando não há dinheiro as políticas de austeridade impõem-se por si próprias.”

É candidato à presidência do PSD nas directas de 5 de Março. Vê-se como líder da oposição nos próximos quatro anos?
Fui líder do maior partido da oposição entre 2010 e 2011. Depois disso fui primeiro-ministro e agora estou novamente como líder do PSD, que não só é o maior partido da oposição, como é o maior partido com representação parlamentar. Anunciei a minha recandidatura à liderança do PSD e essa recandidatura, se for bem sucedida, terá um mandato de dois anos, é esse o mandato dos órgãos internos do PSD. Por isso, sim, vejo-me nos próximos dois anos como líder do maior partido da oposição e nessa medida como candidato a primeiro-ministro.

Se a legislatura durar quatro anos…
Eu não faço esse tipo de antecipação. Cada coisa a seu tempo.

A sua moção de estratégia vai introduzir alterações programáticas?
Programáticas não, porque PSD tem vindo a fazer o seu caminho do ponto de vista programático e a última revisão do programa já ocorreu quando eu era presidente do PSD. Tratou-se de uma actualização, não foi uma alteração profunda e creio que ela ainda reflecte as condições essenciais do país que temos. Não são precisas, portanto, grandes alterações programáticas, o que é preciso, é ir desenhando aquelas que são as opções estratégicas para os desafios que enfrentamos nos próximos anos.

Quais são os desafios?
Não são muito diferentes daqueles que tínhamos há um ano ou dois, quando fui eleito pela última vez presidente do PSD. Mas à medida que o novo exercício governativo decorrer e as alterações sobre a estrutura económica, social e política se vierem a materializar, é natural que outras questões venham a ganhar maior relevância. Não estou a antecipar nenhuma em particular, mas parece-me evidente que o país daqui a dois anos não vai ser o mesmo país de agora. O que farei agora, é uma projecção daquilo que o PSD gostaria de ter nos próximos dois anos…

E qual é?
…sendo certo que, em grande medida, isso agora não vai depender da nossa intervenção, mas da do Governo. Nós temos no país dois grandes problemas. Um no sentido mais económico-financeiro, outro no sentido mais social. Do ponto de vista económico-financeiro, nós precisamos de consolidar o caminho de desendividamento e de recuperação económica que temos vindo a alcançar. Esta ainda é relativamente frágil, pois crescemos em 2014, menos de 1% e a expectativa é que possamos crescer este ano, 1,6%, talvez 1,5%. Enfim, acima de um ponto percentual. O que podemos fazer para crescer de uma forma mais intensa? Procurar, com as devidas adaptações, os factores de sucesso para crescer mais fortemente do que nós. Na Irlanda, esse factor é, talvez, a atracção de capital externo e investimento externo. É isso que temos de tentar. O país, apesar de ter hoje excedentes sobre o exterior, em termos correntes acumulou uma dívida privada muito elevada. E o mesmo aconteceu com o Estado. O facto de estarmos a corrigir as contas públicas, não quer dizer que não haja uma factura muito grande em juros e em dívida para pagar do passado. Ora estes dois factores em conjunto retiram-nos capacidade de crescimento. Para crescer temos que atrair capital.

E para isso?
Isso obriga a que reformas como aquelas que foram iniciadas sejam intensificadas e prosseguidas no sentido de dar mais atractividade à captação do investimento directo. Ter custos de contexto ainda mais baixos, fazer mais simplificação administrativa, ter um regime fiscal ainda mais atractivo para o investimento. E, ao mesmo tempo, fazer um caminho de progressivo desendividamento que permita que quando a política das taxas de juro se alterar, Portugal não fique aflito e sufocado, por taxas de juro que possam andar entre os quatro e os cinco por cento.

À luz do actual programa do Governo, o que poderá ajudar ou prejudicar esse desafio?
Deixe-me enunciar o outro e eu depois regresso à sua pergunta. O outro desafio é o combate às desigualdades sociais. Somos um país profundamente desigual e as coisas não melhoraram com a situação difícil que vivemos nos últimos anos pelo que o padrão que temos na relação social é profundamente insatisfatório. Agora, regressando à sua questão. Quando olhamos para o programa do Governo ficamos com das convicções: a primeira, é a de que há um conjunto muito variado de medidas que está muito em linha com o que foi a prática dos últimos anos. Quando olhamos para a necessidade de recapitalizar as empresas, apostar na qualificação das pessoas, na ciência, na simplificação administrativa, tudo isso é muito comum. Mas fica-nos também a ideia que, em matérias críticas, há um conjunto de medidas que revertem tudo isto e que são extremamente arriscadas para um país que tem os desequilíbrios macroeconómicos acumulados que Portugal tem.

Exemplos?
O conjunto de medidas que já foram anunciadas e que significam mais responsabilidades financeiras para o Estado e menos receita no curto e no médio prazo. Isto em princípio deverá agravar o défice e até prova em contrário, o risco orçamental aumentará. Ora, nós precisávamos de fazer exactamente o contrário. Não é apenas porque há uma imposição no Tratado Orçamental e nas regras do semestre europeu que Portugal precisa de reduzir o défice. Portugal precisa de reduzir o défice porque tem uma dívida muito elevada e quanto mais depressa o reduzir, menos juros pagará, mais liberdade conquistará para as políticas públicas nos próximos anos.  Estas políticas que estão anunciadas, até mais ver, só aumentam a despesa e reduzem a receita, portanto, aumentam o défice. Ora se nós ficarmos com um défice abaixo dos 3%, a meta que foi anunciada pelo Governo para 2016, que é 2,8%, é na prática não fazer nada. É dizer, no primeiro ano a gente não vai fazer nada.

Esse raciocínio significa que os 2,8% podiam baixar em 2016?
Portugal tem que ter um objectivo de redução do défice muito mais ambicioso do que os 2,8%, porque isso é deixar praticamente tudo como está. É não fazer nada. Repare bem: as medidas que já são conhecidas, agravam o défice. Iremos ver quando o Governo apresentar o seu Orçamento. Mas faltam lá medidas, porque a ideia que os multiplicadores orçamentais resolverão o assunto não me convence. Quer dizer, ou há uma expectativa de que o crescimento da economia seja muito maior em 2016 e isso nos desobrigue de tomar qualquer outra medida, pois só o facto de a economia crescer trará mais receita ao Estado e não é preciso fazer nenhuma consolidação para que fique tudo na mesma, ou então, precisaremos mesmo de outras medidas. Portanto, olhamos com desconfiança para essas propostas.

Preocupa-o que hoje o PSD tenha hoje uma imagem excessivamente colada à direita?
Por que diz que o PSD tem uma imagem muito colada à direita? Não vejo porquê. O PSD foi um partido reformista, como está no seu ADN. Tivemos que lidar com circunstâncias muito difíceis e, portanto, tivemos de adoptar muitas políticas de austeridade, mas a austeridade como se vê na Grécia não é de esquerda nem é de direita. Quando não há dinheiro as políticas de austeridade impõem-se por si próprias. As preocupações do PSD hoje não são muito diferentes daquelas que, do ponto de vista programático, existiam há dois, há quatro, há dez ou há 20 anos.

Continua a considerar-se um social-democrata?
Com certeza.

Também acha que Pacheco Pereira devia sair do PSD?
Isso é com o dr. Pacheco Pereira, não é comigo.

Alguma vez este assunto foi discutido ao mais alto nível na direcção do PSD?
Valha-me Deus, não.

Como vão ser as relações com o CDS daqui para a frente?
Boas, eu espero. Tivemos um relacionamento francamente bom ao longo destes anos e espero que, apesar do Governo ter terminado e da coligação ter terminado por essa razão, o relacionamento com o CDS continue a ser privilegiado nos próximos anos.

Admite que, no futuro, os dois partidos se possam fundir numa grande coligação permanente?
Não me parece. São partidos em que cada um tem o seu espaço próprio e por essa razão é que pode haver relevância em que constituam coligações e até possam fazer uma frente eleitoral em circunstâncias particulares, mas creio que ninguém no PSD, nem no CDS esteja interessado numa fusão dos partidos.

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