As oito prioridades do programa do PS

O programa do XXI Governo Constitucional que a Assembleia da República começa a discutir depois de amanhã resulta da revisão do programa eleitoral dos socialistas que a negociação dos acordos de incidência parlamentar com BE, PCP e PEV implicou.

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O XXI Governo Constitucional tomou posse na passada quinta-feira Daniel Rocha

Relançar a economia e o emprego

Repor rendimentos das famílias 

Nos planos do PS, a recuperação da economia ao longo dos próximos quatro anos passa pelo fim da austeridade e pela recuperação dos rendimentos dos trabalhadores e dos pensionistas. É nesse contexto que surgem as medidas mais emblemáticas do programa do Governo, aprovado na sexta-feira, algumas das quais já em discussão na Assembleia da República.

O primeiro passo é, desde logo, aliviar as famílias das “medidas recessivas” adoptadas no âmbito do programa da troika e que ainda persistem. Os cortes nos salários dos funcionários públicos desaparecem por completo em Outubro de 2016, a sobretaxa sobre o IRS desaparece entre 2016 e 2017 e será retomada a fórmula de aumento anual das pensões (que em 2016 não irá além de 0,3% e só abrangerá as pensões até 628,8 euros).

Da estratégia faz ainda parte a redução progressiva e temporária da taxa social única para os trabalhadores com salários até 600 euros (de 11% para 7% entre 2016 e 2018) e a criação de uma nova prestação para combater a pobreza entre os trabalhadores (o complemento salarial anual) e a reposição do abono de família, do rendimento social de inserção e do complemento solidário para idosos nos níveis de 2011. O Governo compromete-se ainda a aumentar o salário mínimo para os 530 euros em 2016, até chegar aos 600 euros no final da legislatura, e a desbloquear a negociação ao nível das empresas e dos sectores e retomar a publicação das portarias de extensão.

Fechado o capítulo dos rendimentos, outro ponto-chave é resolver o problema do financiamento das empresas, dando “prioridade máxima” à execução dos fundos europeus, cirando um fundo de capitalização financiado por dinheiros europeus, alterando o tratamento fiscal dos custos de financiamento das empresas, prosseguindo as políticas que incentivam o empreendedorismo ou lançando um Simplex para as empresas.

Finalmente, o PS foca-se no combate à precariedade: os contratos a termo serão limitados, a contribuição das empresas com elevada rotatividade será agravada, os descontos dos recibos verdes para a Segurança Social serão adequados aos seus rendimentos. Do lado laboral, pretende-se “estudar” com os parceiros sociais soluções alternativas de litígios. O combate ao desemprego jovem e de longa duração, através de políticas de emprego “mais selectivas” e do “contrato-geração, reforçando a empregabilidade dos licenciados. R.M.

Convergência com a Europa

Programa próprio de cada Estado para a convergência

Um programa próprio de cada Estado-membro para a convergência económica é um dos pontos do programa do XXI Governo Constitucional relativo à Europa. Neste ponto, o executivo de António Costa propõe diversas formas de financiamento para ajudar ao crescimento. Quer através dos fundos estruturais disponíveis até 2020, do Fundo Europeu de Investimento, do recurso às linhas de financiamento do Banco Europeu de Investimentos, do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) e do Banco Central Europeu. Trata-se, assim, de aproximar as reformas à realidade de cada país.

Costa quer a Comissão Europeia no centro da acção executiva e manifesta o empenho de maior participação dos parlamentos nacionais no processo político europeu. Sobre Portugal, o executivo aposta no que denomina como “correcção do défice histórico de qualificações”, na modernização do Estado, na renovação urbana inteligente, na eficiência energética e na inovação empresarial.

Considerando que houve, nos últimos anos, um reforço da governação económica europeia, através do MEE, a implementação da União Bancária e o reconhecimento político do papel do investimento no crescimento económico e na coesão, o programa que amanhã vai ser formalmente apresentado no Parlamento reconhece que ainda estão vigentes alguns dos efeitos da opção pela austeridade. Refere-se, concretamente, ao desemprego, à divergência económica e social e ao risco de deflação.

A revisão da Estratégia da Segurança Europeia, adoptada em 2003, é outro dos objectivos. Neste âmbito é, por fim, defendida uma Estratégia Europeia contra a Radicalização e o Terrorismo. N.R.

Estado forte, inteligente e moderno

Litígios a resolver fora dos tribunais

Uma justiça mais célere, mas com muitos litígios resolvidos obrigatoriamente fora dos tribunais. O fim das restrições à contratação de efectivos para a administração pública, dos cortes salariais e o regresso às 35 horas de trabalho semanais, mas sem aumento de custos de pessoal. Várias das medidas do programa do Governo têm um reverso da medalha. Outras, como a anulação das concessões dos transportes colectivos de Lisboa e Porto não serão bem assim tão preto-no-branco como surgem no papel, a crer em recentes afirmações públicas dos novos governantes. Os socialistas dizem querer corrigir os “erros” relacionados com a extinção das freguesias e dos tribunais, prometendo mesmo algo que não existiu até agora – a realização em cada concelho dos julgamentos dos cidadãos desse concelho. Em matéria de segurança não enjeitam a aposta numa matéria cara à direita, a videovigilância, muito embora garantam tencionar reforçar a protecção da privacidade dos cidadãos. Comprometem-se ainda a rever o regime dos jovens penalmente imputáveis entre os 16 e os 21 anos e a permitir o cumprimento de algumas penas em prisão domiciliária, com o condenado a poder sair para ir trabalhar.

A nível económico sobressai a obrigação de os programas plurianuais de investimento terem de ser aprovados por maioria qualificada de dois terços no parlamento e o condicionamento das alterações dos regimes fiscais a uma vez por legislatura – bem como a revisão dos benefícios fiscais ao investimento. Em matéria de concertação social, a ideia é negociar com os parceiros um acordo tripartido para a legislatura.

À adopção de um orçamento participativo a nível nacional, para financiar projectos escolhidos pelos portugueses, junta-se a promessa de simplificação burocrática – é o alargamento do chamado Simplex. Regular a actividade de lobbying é outra das medidas do programa, a que se juntam outras para prevenir os abusos no sector financeiro e a corrupção. A.H.

Prioridade às pessoas

Mais bolsas de estudo e transporte gratuito para doentes

O novo Governo socialista confirmou que irá aumentar o valor das bolsas de estudo no ensino superior e o número de estudantes com direito a este apoio. No seu último retrato da educação em 46 países, a OCDE destacou que Portugal liderava as despesas das famílias com a qualificação dos filhos, nomeadamente no ensino superior. No ensino básico e secundário, o executivo propõe-se assegurar “a progressiva gratuitidade dos manuais escolares”, uma prática já comum em muitos outros países europeus.

O Governo compromete-se a “avaliar o regime de acesso ao ensino superior”, de modo a “alargar a base de recrutamento dos candidatos”, cujo número diminuiu durante cinco anos consecutivos. No básico, um dos principais objectos será o de reduzir para metade o insucesso escolar, que se acentuou nos últimos anos com um aumento dos chumbos. Haverá uma “progressiva redução de alunos por turma” e “uma ampla variedade de aprendizagens”, que inclui um reforço das artes e da educação pela cidadania.

O Governo compromete-se também a  acabar com “os instrumentos de dualização precoce” aplicados pelo anterior executivo, que tornou possível o desvio para o ensino vocacional de  jovens a partir dos 13 anos.

No capítulo intitulado “Prioridade às Pessoas” figuram também as medidas previstas para a área da Saúde. Neste domínio, o novo Governo compromete-se, como já tinha sido anunciado, a criar 100 Unidades de Saúde Familiar em quatro anos,  assegurando que mais 500 mil habitantes passem a ter médico de família. Corrigindo medidas adoptadas pelo Governo PSD/CDS-PP em 2011, o executivo socialista quer também repôr o direito de transporte de doentes não urgentes  (a “troika” impôs que a despesa fosse reduzida em um terço) e reduzir o valor global das taxas moderadoras.

Para reforçar o “poder do cidadão”, está prevista a criação de um “simplex” para a saúde,  além de um “Sistema Integrado de Gestão de Acesso”, que facilite o acesso e a liberdade de escolha no Serviço Nacional de Saúde, sobretudo em áreas em que a espera ainda é significativa. Mas a liberdade de escolha das unidades de saúde será “progressiva”, enfatiza-se. C.V. /A.C

Valorizar o território

Oportunidade única no mar

A extensão da plataforma continental é encarada pelos socialistas como uma “oportunidade única” para Portugal assumir um papel de liderança na chamada economia azul e transformar esse potencial em empregos reais e crescimento. Incentivar novas tecnologias e negócios associados ao mar é um dos objectivos. Para isso será criado um “Fundo Azul” que junta investimento público e capital de risco.

Está previsto o lançamento do Simplex do Mar que, entre várias medidas, prevê a criação de uma “plataforma mar”, guichet único para, entre outras burocracias, licenciamentos de actividades ligadas ao sector. O Governo socialista tem ainda planos para modernizar e ligar os portos à rede transeuropeia de transportes, ao mesmo tempo que pretende reforçar a fiscalização marítima. Está também prevista a revisão da lei do ordenamento do mar.

Explorar o espaço económico da Península Ibérica, pondo a tónica e nas “vantagens competitivas dos produtos nacionais”, é outra das prioridades. Na lista de medidas para intensificar a cooperação com Espanha está a eliminação, nas regiões fronteiriças, do roaming e das taxas de utilização de cartões bancários entre os dois países.

Está previsto cancelamento da privatização da EGF, “desde que não implique o pagamento de indeminizações ao concorrente escolhido”.

O programa socialista defende a valorização da actividade agrícola, nomeadamente com o alargamento de mercados, modernização de técnicas de gestão e rejuvenescimento das empresas deste sector, onde mais de metade dos proprietários tem acima de 65 anos.

Na floresta, o PS defende quer aumentar a produção da fileira, com uma crescimento das áreas de pinheiro bravo e do montado de sobro e de azinho, “travando a expansão do eucalipto”, revogando a lei que liberaliza a sua plantação.

Prioridade à inovação

Promessa de regresso às renováveis

Retomar a aposta nas renováveis é uma das prioridades para a área das energias. No horizonte há um objectivo superior à meta europeia: alcançar uma quota mínima de 40% de fontes renováveis até 2030.

Entre as dezenas de medidas pensadas está a reavaliação do plano nacional de barragens; ou, por exemplo, lançar com as autarquias um programa de “micro-geração” a partir de energia solar nas escolas, nos equipamentos desportivos, nos centos de saúde, nas esquadras ou nos mercados municipais. O novo Governo promete também renegociar as concessões no sector da energia.

Para estimular a concorrência, o executivo quer fomentar a “comparabilidade das tarifas” e o aparecimento de novos agentes económicos. Outra ideia passa por permitir aos consumidores de gás natural, em especial na indústria, que possam “dissociar o momento da compra do momento do consumo, bem como alterarem o ponto de entrega dos seus contratos de fornecimento para o ponto virtual de trocas”.

Desenvolver um “cluster tecnológico” é outra ambição, por exemplo, lançando “laboratórios vivos de demonstração de novas soluções na mobilidade eléctrica”.

Para aumentar a eficiência no próprio Estado será desenhado um programa para os edifícios, as frotas e as compras públicas. Haverá metas para substituir a iluminação “por soluções mais eficientes (LED, por exemplo)”. E também está previsto lançar um “pograma de substituição de lâmpadas nos sectores residencial e de serviços”.

Em relação aos transportes públicos, os socialistas querem criar um “passe família” e bilhetes de grupo (para cinco ou mais pessoas) e uniformizar os descontos para os estudantes até aos 25 anos.

Cultura

Recuperado ministério ganha RTP

O primeiro ponto a sublinhar no programa do Governo para a Cultura é o próprio restabelecimento da tutela. E este ressuscitado Ministério até vê alargada a sua esfera de actuação, cabendo-lhe agora tutelar a RTP e restante comunicação social pública. O Governo mostra-se também determinado a reverter boa parte das fusões institucionais que o executivo de direita impusera no sector, quer na área das políticas de internacionalização da língua e da cultura portuguesas, a que este programa dá particular atenção e que atravessa agora várias tutelas, quer voltando a autonomizar domínios como o dos museus e património e o dos arquivos e bibliotecas. Outros compromissos significativos são a promessa de que os teatros nacionais disporão dos meios necessários, a garantia de que o disfuncional sistema de apoio às artes será revisto, ou ainda a intenção de manter no país a colecção Berardo e de “enriquecer” a de Serralves. Preconizam-se ainda várias medidas concretas que visam democratizar o acesso à Cultura, como a entrada gratuita em museus e monumentos aos fins-de-semana e feriados. Resta saber, e é um ponto crucial, de que orçamento irá dispor João Soares. O programa critica duramente a “suborçamentação dramática” da Cultura durante o Governo da coligação de direita, que atingiu o seu ponto mais baixo em 2012, com um orçamento de 167 milhões de euros. Mas no ano anterior, a ministra socialista Gabriela Canavilhas também não conseguira mais de 201 milhões. O reconhecido peso político de João Soares autoriza a esperança de que saberá bater-se no Conselho de Ministros por meios que lhe permitam fazer mais do que manter as principais instituições culturais do país em respiração assistida. Se terá, além disso, a visão, a imaginação e a energia necessárias para verdadeiramente dar um novo impulso ao sector, só o futuro o dirá. L.M.Q.

Mais coesão, menos desigualdade

Promessa de maior protecção social e igualdade

Fazer uma reforma capaz de garantir a sustentabilidade da Segurança Social; melhorar a justiça fiscal, combater a pobreza e as várias formas de desigualdade e de discriminação. Eis o plano do novo Governo.

Vem aí uma reforma, que passará por estudar a diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social, “repor como prioridade o combate à fraude e evasão”, “reavaliar as isenções e reduções da taxa contributiva” e rever a condição de recursos nas prestações sociais de natureza não contributiva.

Entre as prioridades definidas está um Plano de Combate à Pobreza das Crianças e Jovens. Os socialistas querem aumentar o abono de família, o abono pré-natal e a majoração para as famílias monoparentais. Também pretendem repor o rendimento social de inserção e o complemento solidário para idosos de 2010 e criar “um complemento salarial anual, que constitui um crédito fiscal, aplicável a todos os que durante um ano declarem rendimentos do trabalho à Segurança Social”.

Há uma vontade expressa de ter uma abordagem integrada dos factores de discriminação. Anuncia-se um Livro Branco com vista à aprovação de uma Lei da Igualdade e Não Discriminação; um Conselho Nacional da Igualdade e Não-Discriminação e um Plano de Acção para as Discriminações Múltiplas.

O programa contém uma série de medidas concretas sobre liberdade religiosa, igualdade de género, orientação sexual e inclusão de pessoas com deficiência ou incapacidade. Uma grande novidade será o reconhecimento civil das pessoas intersexo, as que nascem com uma anatomia reprodutiva ou sexual que não se encaixa na definição de sexo feminino ou masculino.

A inclusão de pessoas com deficiência tem pela primeira vez uma secretaria de Estado. Há medidas sobre educação, emprego, mas também sobre participação política e tomada de decisão. Prevê-se, por exemplo, um programa para assegurar que “todos os locais de votação detêm condições de acessibilidade a pessoas de mobilidade reduzida”.

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