Trump nega que tenha ridicularizado jornalista e exige pedido de desculpas

Candidato do Partido Republicano acusa repórter do New York Times de "usar a sua incapacidade para chamar a atenção". Jornalista da conservadora Fox News chama mentiroso ao magnata, que caiu 12 pontos nos últimos cinco dias na sondagem Reuters.

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O jornalista Serge Kovaleski sofre de artrogripose múltipla congénita DR

Depois de ter sido acusado de ridicularizar um jornalista do New York Times que sofre de rigidez severa nas articulações, o candidato à Presidência dos EUA Donald Trump disse que nem sequer conhece o repórter em causa e exige agora um pedido de desculpas por parte do jornal.

A mais recente polémica em que Trump se envolveu (uma de várias desde que anunciou a sua candidatura à nomeação pelo Partido Republicano, em Junho) estalou na noite de terça-feira, durante um comício no estado da Carolina do Sul e já se estará a fazer sentir nas sondagens: no inquérito Reuters/Ipsos, caiu 12 pontos nos últimos cinco dias.

No segmento do discurso em que tentava defender a sua acusação de que "milhares e milhares" de árabes festejaram no estado de Nova Jérsia o atentado terrorista contra o World Trade Center, em 2001, Trump fingiu que era Serge Kovaleski, um dos jornalistas que têm procurado desmentir essa versão: "Já não sei o que disse, não me lembro!", disse Trump, enquanto agitava os braços numa aparente imitação dos problemas físicos do jornalista, que sofre de artrogripose múltipla congénita – uma doença que se caracteriza por contracturas articulares múltiplas.

Trump deixou passar o Thanksgiving (o dia de acção de graças, um dos mais importantes feriados nos EUA) e – como tem sido seu hábito desde que lançou a campanha – usou o Twitter para reagir às reacções: "Não faço ideia de quem é esse repórter, Serge Kovaleski, nem qual é a aparência dele e o seu grau de inteligência. Não sei se é um J. J. Watt [jogador de futebol americano] ou um Muhammad Ali [antigo pugilista] nos seus melhores tempos – ou se é alguém com uma menor capacidade atlética ou física."

"Serge Kovaleski deve ter-se em grande conta se acha que eu me lembro de o ter conhecido há décadas – se é que cheguei a conhecê-lo, coisa de que duvido", disse Trump numa outra declaração partilhada no Twitter, acusando o jornalista de "usar a sua incapacidade para chamar a atenção" e sugerindo-lhe que "volte a escrever notícias para um jornal que está rapidamente a ir pelo cano abaixo".

"Eu não poderia saber que o sr. Kovaleski tem uma deficiência, porque não sei qual é a aparência dele", sublinhou Trump, depois de gabar a sua própria memória, que considera ser "uma das melhores de sempre".

O jornalista Serge Kovaleski é actualmente repórter do New York Times, mas trabalhava no Washington Post quando aconteceram os ataques terroristas em Nova Iorque e Washington, a 11 de Setembro de 2001. Antes disso, foi jornalista no Daily News, de Nova Iorque, entre as décadas de 1980 e 1990, e escreveu vários artigos sobre Donald Trump, um magnata do ramo imobiliário.

Numa entrevista à CNN, esta semana, o jornalista disse que lhe custa acreditar que Trump não se lembre dele: "O Donald e eu tratámo-nos pelo primeiro nome durante anos. Entrevistei-o no gabinete dele. Falei com ele em conferências de imprensa. Ao todo, diria que interagi com ele como jornalista cerca de uma dúzia de vezes quando trabalhei no Daily News."

Kovaleski recebeu esta sexta-feira um apoio de peso, que pode indicar que desta vez Donald Trump terá mais dificuldades para lidar com o problema em que se meteu – o veterano jornalista Brit Hume, da conservadora Fox News, defendeu Kovaleski e lançou um ataque a Donald Trump que deverá garantir-lhe uma série de tweets do magnata nos próximos dias: "A alegação do Trumpkin [uma personagem ficcional de As Crónicas de Nárnia e uma abóbora com a imagem de Donald Trump] de que não conhecia o repórter que ridicularizou dá razão a Lincoln: é mesmo possível enganar algumas pessoas todo o tempo."

O jornalista do New York Times viu-se atirado para o centro da campanha do Partido Republicano quando Donald Trump citou um artigo que ele escreveu uma semana depois do 11 de Setembro de 2001, na época em que trabalhava no Washington Post. Nesse artigo, lê-se que "a polícia deteve e interrogou várias pessoas que foram alegadamente vistas a festejar os ataques e a organizar festas em telhados enquanto assistiam à devastação do outro lado do rio" – um parágrafo que passou a ser a base da defesa de Donald Trump para a sua afirmação de que "milhares e milhares" de árabes festejaram em Nova Jérsia o atentado que estava em curso do outro lado do rio.

Apesar de logo no dia 11 de Setembro de 2001 terem sido transmitidos vídeos de palestinianos alegadamente a festejarem, na Cisjordânia, os atentados terroristas que seriam depois reivindicados pela Al-Qaeda, não há qualquer registo de festejos de "milhares e milhares" de pessoas nos Estados Unidos, como Donald Trump continua a afirmar – pelo contrário, numa notícia publicada a 13 de Setembro de 2001 no jornal The Record, de Nova Jérsia, um dos responsáveis da polícia e o mayor da cidade de Paterson desmentiram o rumor de que tinha havido celebrações por aqueles lados no dia dos ataques terroristas.

Prova dos Factos: Houve festejos em Nova Jérsia depois dos atentados do 11 de Setembro?

Desde que anunciou a sua candidatura a representante do Partido Republicano nas eleições presidenciais de 2016, Donald Trump já disse que a maioria dos mexicanos que chegam aos EUA sem documentos são traficantes de droga e violadores; que o Presidente Barack Obama autorizou a entrada de 200.000 refugiados sírios no próximo ano (quando na verdade são 10.000); e alimentou muitas outras informações erradas ou sugestões que partiram de outras fontes – de uma gigantesca distorção do número de brancos mortos por negros nos EUA até à possível criação de uma base de dados para registar os muçulmanos.

Como escreveu no Washington Post o professor de Política Internacional Daniel Drezner, da Universidade Tufts, a gestão que Donald Trump faz das polémicas que lança é clara, e tem-se repetido até à exaustão – "Dizer/tweetar/retweetar algo ultrajante; dominar o próximo ciclo noticioso; atacar os media que tentam desmontar o comentário ultrajante; recuar ou dizer que foi mal interpretado; manter a vantagem nas sondagens."

Ou, como escreveu no Twitter Ben White, jornalista da revista Politico e do canal CNBC: "O problema com Trump não é que as suas [declarações] grotescas não estão a ser noticiadas. O problema é que os seus apoiantes não se importam com isso."

Por enquanto, a vantagem de Trump nas sondagens não só se mantém como está a alargar-se, mas o processo eleitoral ainda está no começo. As primeiras eleições no Partido Republicano e no Partido Democrata estão marcadas para Fevereiro, e o processo até às eleições gerais de Novembro de 2016 vai ser longo e desgastante, principalmente para os 14 candidatos do Partido Republicano (em contraste, o Partido Democrata tem apenas três, e Hillary Clinton tem uma vantagem considerável sobre Bernie Sanders e Martin O'Malley).

Por agora, Trump tem a seu favor o facto de conseguir reunir à sua volta os eleitores mais descontentes com os políticos tradicionais, e mais propensos a olhar para ele como uma espécie de bandeira contra tudo o que consideram ser "politicamente correcto"; à medida que os candidatos menos populares forem desistindo, e que mais eleitores norte-americanos forem prestando atenção à campanha, é provável que os nomes mais próximos da política tradicional, como Jeb Bush ou Marco Rubio, captem as intenções de voto que estão agora espalhadas por 14 candidatos.

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