Chefes da diplomacia discutiram caso Luaty 24h após o início da greve de fome

Julgamento dos activistas acusados de rebelião e de terem preparado um atentado contra Eduardo dos Santos foi marcado para 16 de Novembro. Razões humanitárias norteiam acção da diplomacia.

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Luaty Beirão, um dos detidos, cumpre terça-feira 30 dias de greve de fome DR

A situação de Luaty Beirão foi abordada num encontro, em 22 de Setembro, entre o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, e o seu homólogo angolano, Georges Chikoti, 24 horas depois do início da greve de fome do activista luso-angolano.

Já anteriormente, antes da situação dos 15 cidadãos ter ganhado relevância mediática após a detenção em 20 de Junho, a diplomacia portuguesa tinha realizado diligências junto das autoridades de Luanda.

O encontro dos chefes da diplomacia dos dois países decorreu em Nova Iorque, à margem da sessão da Assembleia Geral comemorativa do 70.º aniversário das Nações Unidas. É um hábito aproveitar estes conclaves da ONU para desenvolver contactos bilaterais. E, mais uma vez, assim aconteceu entre os responsáveis diplomáticos dos executivos de Portugal e Angola.

Até ao momento, directamente ou no quadro da representação da União Europeia (UE) em Luanda, representantes de Portugal – do ministro Machete ao embaixador português João da Câmara – mantiveram três encontros com dirigentes do executivo angolano. À reunião de Nova Iorque sucederam-se, nos últimos dias, os encontros sob a égide do representante da UE em Luanda com Rui Mangueira, ministro da Justiça de Angola, e um alto responsável do executivo angolano, soube o PÚBLICO. Nesta reunião estiveram presentes diplomatas de Portugal, Reino Unido, Espanha e Suécia.

No encontro da passada quarta-feira com os representantes da UE, o titular da Justiça manifestou o que diplomaticamente foi considerado como “abertura de posição”. Um dia depois, Luaty era transferido do hospital-prisão de São Paulo para a Clínica Girassol, onde no sábado foi visitado pelos diplomatas da UE. O activista está a ser alimentado a soro e pode ver os canais de televisão portugueses.

Também considerado como sinal de abertura é a marcação para 16 de Novembro do julgamento dos activistas acusados de prepararem uma rebelião e um atentado contra o Presidente angolano, segundo informou a defesa dos arguidos. O advogado Luís Nascimento confirmou à Lusa ter sido notificado esta segunda-feira do despacho de pronúncia e das sessões do julgamento, que vão decorrer até 20 de Novembro, no principal tribunal de Luanda.

Neste contexto, Portugal tomou uma iniciativa no quadro bilateral e espera, através dos seus diplomatas em Luanda, ter uma visita a sós com Luaty Beirão, embora o activista insista em não receber tratamento de excepção. Luaty não poderia de qualquer modo invocar protecção consular por ter dupla nacionalidade. Um instrumento diplomático de 1930 – “Convenção sobre certas questões relativas ao conflito de leis da nacionalidade” – não o permite. Também a lei da nacionalidade angolana não reconhece excepções a cidadãos angolanos que tenham outra nacionalidade – o que, naturalmente, limita a capacidade de intervenção de Portugal.

Contudo, logo em Agosto, após a detenção dos activistas, foram mantidos contactos diplomáticos com os familiares dos detidos. A 30 de Setembro, a embaixada portuguesa em Luanda recebeu uma delegação de familiares.

Nestas diligências, Lisboa fez questão em diferenciar o processo jurídico em curso contra os activistas da greve de fome. A primeira questão implicaria uma avaliação política da situação angolana a que Luanda sempre reage mal. Na segunda perspectiva, o foco incide sobre as consequências humanitárias da greve de fome iniciada, há 30 dias, pelo rapper e activista.

É algo que não pode levantar suspicácias em Angola, sendo Portugal, desde o início deste ano, membro do Conselho de Direitos Humanos na ONU, órgão que tem por missão zelar pela protecção e promoção dos direitos humanos no mundo. A eleição, em Outubro de 2014, mereceu 184 dos 193 votos, e a candidatura portuguesa recebeu o apoio da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, que integra a República Popular de Angola. Do mesmo modo, a primeira declaração pública de Portugal sobre este caso, em 11 de Outubro, referiu os contornos humanitários do mesmo.

Se Lisboa calibra com esta prudência as suas diligências, Luanda tem de agir com idêntico critério, destacam diplomatas ouvidos pelo PÚBLICO. Nunca como no caso Luaty a situação em Angola teve tanta visibilidade internacional. Pelo que um desfecho dramático da greve da fome do activista não se coaduna com os objectivos angolanos de afirmação no contexto africano, que levaram o país a ser eleito como membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU em Outubro do ano passado.

Do ponto de vista interno, as dificuldades económico-financeiras decorrentes da queda acentuada do preço do petróleo não obrigaram, apenas, a um orçamento rectificativo e a cortes em projectos de investimento. A degradação do nível de vida de alguns sectores populacionais, sobretudo os residentes nos subúrbios de Luanda, é patente. Tais condições  possibilitam contestação social e tornariam o fim trágico deste caso uma bandeira e Luaty Beirão um mártir.

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