O nadador-salvador que perdeu as graças no mar

A Praia do Futuro é o território mental que um nadador-salvador tem de atravessar para conquistar o medo.

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Um super-herói em perda de poderes – esta é a história de um nadador-salvador que perdeu as graças no mar. A Praia do Futuro do título é o território mental que Donato (Wagner Moura) tem de atravessar para conquistar o medo, ele que abandona a família, ele que foge do mar de Fortaleza, no Brasil, para as águas controladas de um aquário em Berlim, na Alemanha.

Esta espécie de road movie – “espécie” porque a deslocação é apresentada de forma mais existencial do que física – está encerrada e debate-se dentro de uma estrutura em capítulos, três concretamente. Muito do que é fundamental já aconteceu entre eles, nas elipses que os separam, e o espectador tem perante si apenas o resultado. Dessa forma o realizador Karim Ainouz torna palpável a fractura que paralisa as personagens: são figuras que não controlam a (sua) narrativa, que duvidam da sua capacidade de serem heróis ou personagens principais dos (seus) movimentos. Se calhar não há uma personagem principal, porque há três: Donato, o amante alemão, Konrad (Clemens Schick), e o irmão daquele, Ayrton (Jesuíta Barbosa). Há três personagens e há três capítulos, mas isso não significa que qualquer delas possa ter direito a habitar de pleno direito, como se fosse seu, cada um deles. É uma história de amor entre homens mas, por mais que isso tenha chocado um Brasil religioso, conservador, homofóbico, o ano passado, com relatos de vigilantismo nas salas, não é essa a relação essencial do filme; é, antes, o amor entre dois irmãos - ou como Ayrton atravessa o mundo em busca de Donato, que o abandonou, para reclamar o seu direito aos super-heróis.

O medo deflagra sotto voce em Donato. Wagner Moura é tocante na sua voluntária inexpressividade quando se trata de explicitar sobre o que o levou a abandonar as águas de Fortaleza. E como talvez já se tenha percebido, Praia do Futuro é também um filme em fuga -  foge do cliché, evita gritar, pede ao espectador que se projecte no que ficou em branco para completar. Esse trabalho é pedido sempre de forma leal e intrigante. O puzzle nunca derrota. E tal como para as três personagens que alcançam finalmente o movimento (sequência final, a mais bonita), o espectador terá aí a sua expansão sensual.

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