O filme órfão

A estreia na realização de Ryan Gosling é um caderno de imagens em busca de uma alma: enche o olho mas não tem lá nada.

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Muita bílis se destilou sobre a estreia na realização de Ryan Gosling, apresentada em Cannes 2014 perante a incredulidade de uma crítica que não hesitou em cair, sem apelo nem agravo, em cima de um actor a esticar-se para lá do que sabe (e a sua associação a Nicolas Winding Refn, que entretanto se tornou “alvo a abater” por alguns sectores da imprensa, apenas terá ajudado).

Tão mal recebido que quase toda a gente preferiu assobiar para o lado e fingir que não existe, O Rio Perdido transformou-se num daqueles “filmes órfãos” condenados a uma existência marginal; visto longe dessa recepção caótica, confirma-se que o filme de Gosling é um tiro ao lado, mas mais desastrado do que desastroso.<_o3a_p>

Rodado na Detroit que se tornou símbolo inevitável de uma decadência urbana americana (e não poucas vezes remetendo para uma Nova Orleães pós-Katrina), esta fábula sobre uma família que procura sobreviver como pode numa cidade estrangulada pela crise articula as frustrações de muita gente com o coração no sítio certo. Mas fica literalmente a ideia de que Gosling não “acabou” (ou não soube acabar) o filme, esperando que a conjugação dos pesadelos lynchianos (fase Veludo Azul-Estrada Perdida) com a estilização provocadora do Refn de Drive fosse suficiente para tapar os buracos de uma narrativa sem personagens nem história. Não é: Gosling tem claramente jeito para criar atmosferas, e O Rio Perdido parece não poucas vezes ser o equivalente visual do seu projecto musical Dead Man’s Bones, mas resume-se mais a um caderno de imagens ou a um livro de estilo em busca de uma alma. É uma curiosidade, um fenómeno de feira à atenção dos amadores do bizarro, que tem a palavra “culto” pintada a spray por todo o filme.

 

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