"Alemanha, Alemanha", gritam os refugiados a quem Budapeste abriu portas

À medida que a guerra austríaca ao tráfico humano gerava filas de dezenas de quilómetros nas estradas húngaras, as centenas de refugiados que acampavam em Budapeste conseguiram enfim partir para Viena.

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Acabada a viagem de comboio entre Budapeste e Viena, grande parte dos refugiados tentam chegar à Alemanha Patrick Domingo/AFP

Sem explicações, a polícia húngara permitiu nesta segunda-feira que as centenas de refugiados que acamparam ao longo dos últimos dias nas duas principais estações de comboio de Budapeste seguissem viagem para a Áustria, enquanto nas estradas se viam filas que chegaram aos 40 quilómetros do lado húngaro: as autoridades de Viena revistavam qualquer veículo que pudesse estar a ser usado por traficantes que ganham dinheiro com as viagens dos refugiados.

Eram dois cenários opostos: as estradas entupidas e também um comboio húngaro com entre 300 e 400 refugiados bloqueado durante a tarde na fronteira; e as centenas de pessoas que chegavam às estações da capital austríaca. O comboio e as filas, parados numa fronteira de livre circulação, eram um símbolo do que alguns líderes estão a dizer: que sem medidas para oferecer soluções para a maior vaga de chegadas à Europa desde a II Guerra, o espaço intra-europeu de livre circulação (espaço Schengen) pode estar em risco. As estações em Viena, eram a imagem da figura benévola da Alemanha nesta crise de refugiados.

“Alemanha, Alemanha”, gritava a grande parte de refugiados que chegou nesta segunda-feira a Viena, e que partia imediatamente para comboios com destino a cidades alemãs logo que chegavam à capital austríaca. O Frankfurter Allgemeine avançava que se gerou um rumor entre os refugiados em Budapeste de que Berlim enviara comboios especiais para os receber. Angela Merkel, também presente nos cânticos dos que desembarcavam em Viena, apelou novamente nesta segunda-feira para que os países europeus aceitem mais refugiados – a Alemanha espera receber 800 mil pedidos de asilo neste ano, o quádruplo de 2014.

No comboio interceptado junto à fronteira com a Hungria, que a companhia nacional ferroviária da Áustria disse que viajava sobrelotado, a polícia verificava passaportes e documentos: quem pediu asilo em Budapeste seria travado, segundo o porta-voz da polícia austríaca. Os restantes são livres de entrar na Áustria, caso em duas semanas façam um pedido de asilo no país. Caso contrário serão deportados, de volta à Hungria.

Mas países de trânsito de refugiados como a Hungria dizem que não conseguem lidar com este fluxo de pessoas e tentam impedi-los de passar, ou então apressá-los até à etapa seguinte (como fez a Macedónia, que pôs os refugiados em camionetas e os levou até à fronteira com a Sérvia).

Já dentro do espaço Schengen, Hungria e Áustria tornaram-se dois pontos fundamentais na rota dos refugiados e migrantes, a maioria sírios a escapar da guerra, que saem da Turquia de barco para a Grécia, continuando viagem pela Macedónia e Sérvia, entrando no espaço europeu através da Hungria. Como a maioria não quer ficar no país, segue viagem através da Áustria, onde na semana passada foi descoberto um camião parado numa zona de descanso da auto-estrada com 71 mortos. A nacionalidade das vítimas, que terão morrido por asfixia, ainda não é conhecida.

Guerra ao tráfico
A Áustria decretou de imediato guerra aos traficantes que lucram ao levar pessoas em condições desumanas, e começou no fim-de-semana uma operação de vigilância de veículos na fronteira com a Hungria, de onde tinha vindo o camião. Com o trânsito de segunda-feira de manhã, ficou claro que a medida tem consequências: uma fila de 30 a 40 quilómetros na principal auto-estrada entre Hungria e Áustria, enquanto as autoridades verificavam todos os veículos que pudessem levar refugiados escondidos, de pequenas carrinhas a camiões.

As autoridades austríacas apressaram-se a sublinhar que com os controlos de fronteira não estavam a pôr em causa o acordo de livre circulação de Schengen, já que estes não são controlos “clássicos” mas sim de segurança, especificou a ministra austríaca do Interior, Johanna Mikl-Leitner. “Levaremos a cabo controlos durante um período de tempo indeterminado em todos os pontos de passagem importantes na região oriental, inspeccionando todos os veículos que possam ter esconderijos para pessoas traficadas”, explicou à emissora nacional ORF. “Queremos salvar vidas e lutar contra os traficantes criminosos”, sublinhou a ministra.

A polícia austríaca já deteve 628 suspeitos de traficarem pessoas este ano comparando com 277 em todo o ano passado, indicou o director de segurança pública do Ministério do Interior, Konrad Kogler.

Desde o início da operação foram já detidos cinco traficantes e descobertos perto de 200 refugiados. Alguns deles foram encontrados no sábado, em estado crítico, numa carrinha – eram 26 pessoas, vindas da Síria, Eritreia e Afeganistão, entre elas três crianças. As autoridades dizem que teriam aguentado apenas mais algumas horas se não tivessem sido socorridas.

As crianças e as famílias terão, no entanto, saído do hospital a dada altura. As autoridades acreditam que tentaram seguir viagem para a Alemanha para evitar serem levadas de volta para a Hungria. Segundo as regras actualmente em vigor, quem quer pedir asilo deve fazê-lo no primeiro país em que entra na União Europeia. A esmagadora maioria dos refugiados não quer fazer isto, e tenta por tudo não o fazer, preferindo seguir viagem até pelo menos à Áustria ou Alemanha, e alguns ainda até França, para depois chegar ao Reino Unido por mar, saindo de Calais.

A Hungria está a ter uma política especialmente dura com os refugiados e imigrantes irregulares, deslocando exército para a fronteira e fortalecendo-a com arame farpado. A polícia seguiu uma política idêntica ao longo dos últimos dias nas duas principais estações de Budapeste, travando a marcha de centenas de pessoas, mesmo as que tinham bilhetes de passagem para Viena. Estes espaços acabaram por se transformar numa espécie de campo de refugiados, com tendas, sacos-cama, e roupa estendida fora dos edifícios. Uma refugiada síria grávida deu à luz mesmo dentro da estação ferroviária. 

Associações de voluntários prestavam ajuda, participando na limpeza e distribuindo comida e água. Uma destas associações publicou nas redes sociais uma fotografia da estação, cheia de tendas e cobertores. No meio, uma criança pequena tinha um cartão quase tão grande como ela com as palavras “help me pleez”.

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