A política ao ritmo de um festival de verão

Mais de mil jovens socialistas, de 30 países europeus, juntaram-se em Santa Cruz, Torres Vedras, na última semana, para um acampamento político. Ali montaram uma “tenda segura”, tentaram salvar o euro e proibiram os piropos.

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Bruno Lisita
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Os cinco pinheiros bravos à volta da tenda branca não chegam para fazer uma sombra que se veja. São três da tarde e a mítica bruma de Santa Cruz deu lugar a uma tarde tórrida. Ainda há muita gente estremunhada a arrastar os chinelos pelos caminhos de terra arenosa, entre as tendas do acampamento e a zona onde se toma um duche frio, onde se come ou onde se discute uma “nova linguagem para a política”. Alexander Blum, dinamarquês é dos primeiros a chegar. Javi Lopez, espanhol, é o último.

Alexander veste uma peça única, um macacão com gola de padre e calções acima do joelho, de tecido estampado por ramagens. É vice-presidente da YES, a estrutura que federa os jovens socialistas europeus. Javi chega de pólo, calções e havaianas. É eurodeputado do PSOE espanhol.  Os jovens socialistas preocupam-se com tudo. Há uma mesa onde sentam os palestrantes. Devia haver? Não seria melhor sentarem-se num círculo?

Alexander começa a falar, no mesmo tom auto-reflexivo. “Não podemos ter um fórum sobre nova linguagem para a política sem que haja equilíbrio de género.” Na tal mesa senta-se apena uma mulher, a holandesa Maruschka Gijsbertha, e por isso há repetidos apelos para que as outras mulheres na tenda intervenham. Quase toda a gente quer falar, homens e mulheres. As intervenções são em regra curtas, articuladas, interessantes.

Miguel, da JS, cita Tony Judt, historiador inglês, para apontar que as palavras que a política está a usar não são as palavras certas. Uma jovem portuguesa, sentada em frente, traz para o debate a polémica dos cartazes de campanha que levaram à demissão de Ascenso Simões. Há quem defenda que falta autenticidade na política, e sobra muita manipulação. “Por que não podemos, de vez em quando, apenas dizer que não sabemos?”, lamenta Alexander. Fala-se de Jeremy Corbin, e dos trabalhistas ingleses, da subida da extrema-direita, da falta de soluções que distingam a social-democracia. Brando Benifei, outro jovem eurodeputado, do PD italiano, resume: “O nosso problema, nos dias que correm, é saber como nos tornarmos credíveis de novo...”

A tenda chama-se Rosa Luxemburgo, uma das mais importantes dissidentes do SPD alemão no início do século XX. Mas todas as outras três tendas de debate não foram baptizadas segundo o cânone social-democrata mais estrito. Há uma chamada Ozgecan Aslan, em homenagem a uma estudante turca assassinada por resistir a uma violação. Há uma George Orwell (onde talvez fosse mais apropriada esta discussão sobre linguagem e política). E a maior de todas, que leva o nome de Maria Barroso. O equilíbrio de género é uma das principais bandeiras dos jovens socialistas europeus.

Discriminação fora de campo
Ao fundo do parque, há até uma tenda, que não homenageia ninguém, e que os organizadores ergueram para possibilitar debates só entre mulheres e participantes LGBT. Chama-se “tenda segura”.

Nas portas das casas de banho portáteis, nos troncos dos pinheiros, há cartazes que explicam o óbvio: “Não significa não.” Mas juntar mil jovens num pinhal, em Agosto, tem riscos. Por isso nada é deixado ao acaso. Rui Lajes, 27 anos, advogado, de Caminha, recorda-nos que logo à chegada ao acampamento toda a gente recebe uma “palestra inicial” que procura alertar os participantes para as, por vezes, ténues fronteiras entre o que se pensa, o que se diz e a sensibilidade dos outros.

Logo ali é explicado que no acampamento “há tolerância zero para comportamentos homofóbicos, sexistas, racistas, discursos de ódio e outras formas de discriminação”. Há um grupo de cinco responsáveis – chamados “equipa da confiança” – que zela por esta política, que inclui uma proibição de piropos, assobios e demais estratégias de assédio verbal. “Nós somos um povo conservador e isto é muito enriquecedor”, garante Rui, que chegou quatro dias antes do arranque do acampamento para ajudar na montagem.  

Reza a lenda que as tendas onde dormem os 650 jovens socialistas portugueses foram montadas num dos extremos do pinhal, separadas das que albergam os 450 jovens socialistas de 30 outras paragens europeias  precisamente para evitar que os diferentes ritmos biológicos (hora de deitar e despertar, sobretudo) pusessem em causa a fraternidade internacionalista deste acampamento que junta política e diversão numa mistura deixada ao livre-arbítrio de cada um.

As tendas montadas entre os pinheiros e o ambiente de “festival de verão” esconde uma organização cheia de regras (13 no total, que vão da obrigação de apagar as beatas dos cigarros nos cinzeiros disponibilizados, à proibição total do uso de drogas, à indicação rigorosa para as delegações estrangeiras de se cumprir a legislação portuguesa, dentro e fora do campo). Há ainda um código de conduta com 11 pontos.

À vista estão apenas as pulseiras, como explica Ana Carneiro, 26 anos, da Maia: “As vermelhas são para os estrangeiros, as amarelas para os portugueses, as brancas para os menores de idade. Há ainda umas verdes para identificar os vegetarianos às refeições.” À volta de Ana estão outros sete jovens socialistas, de Vila do Conde, que riem e elogiam a sua atenção. “Para a próxima podes estar na organização.”

As questões de género, a “tolerância zero” para o disparate, tudo isso é natural para este grupo de jovens de 20 e tal anos. “É inerente”, dizem, com ar de quem está a explicar o óbvio. “Faz parte das bandeiras da JS”, acrescenta João Pedro, 21 anos, que está a fazer um mestrado em desporto e assume, com uma gargalhada, que este acampamento é uma espécie de “festival de verão com componente política”.

Discutir política com alegria
Evin Encir, 30 anos, é a secretária-geral da IUSY, a União Internacional dos Jovens Socialistas, a organização mundial de que faz parte a YES, europeia, e a JS, portuguesa. Esta jovem curda, que tem nacionalidade sueca, quase que repete a ideia de João Pedro. “Discutir política com alegria”, é o resumo que nos faz da ideia do acampamento.  Este ano, pela segunda vez, o acampamento internacional coincide com o que a JS organiza, de dois em dois anos. E não é por acaso. Encir revela que as eleições portuguesas serão um momento importante para “travar a austeridade e as políticas conservadoras”.

A secretária-geral da YES veio da Sérvia. Nina Zivanovic anda de um lado para o outro, com ar atarefado, e o primeiro gesto que faz quando lhe pedimos para se deixar fotografar é pôr uma mão à frente do rosto. Para ela, este acampamento que inicia as discussões nas tendas “e muitas vezes as termina na praia” serve também para desmontar “a ideia que os jovens não se interessam por política”. Interessam, garante, e devem “ganhar espaço nos partidos”, não apenas como força de trabalho, para colar cartazes ou fazer número nas caravanas, mas também para “definir a mensagem”.

Quando encontramos Nina pela primeira vez, na manhã de sexta-feira, ela procurava falar com a eurodeputada do PS Maria João Rodrigues. Terminara um dos debates mais vivos do acampamento: “Há futuro para a zona euro?”

Ambas, a dirigente da YES e a vice-presidente do grupo parlamentar europeu dos socialistas (S&D) queriam reunir-se para pôr em marcha um grupo de trabalho que junte as várias sensibilidades social-democratas europeias para um compromisso sobre a reforma da União Económica e Monetária e um plano de investimentos para a zona Euro.

A ex-ministra do PS está confiante. “Foi um debate muito aberto, que foi mesmo a fundo.” Sobretudo porque juntou alemães, holandeses, espanhóis, italianos, portugueses e todas as sensibilidades que marcam as intermináveis clivagens do eurogrupo.

A Grécia, e tudo o que se passou nos últimos meses, entre Bruxelas, Atenas e Berlim, mostra, para Maria João Rodrigues, que é preciso “encontrar uma alternativa”. “Os socialistas querem caminhar para orçamentos mais equilibrados, mas sem prejudicar o crescimento e o emprego”, resume a eurodeputada.

À porta da tenda de Paulo Tomaz, 28 anos, advogado, estão duas fichas triplas cheias de carregadores de gadgets. No chão há um oleado e entre as árvores está colocado um toldo de plástico, que faz sombra para uma mesa. Tomaz vai ser, provavelmente, um dos futuros 230 deputados ao Parlamento, já que se encontra num lugar elegível na lista do PS em Aveiro. Ele dá eco à preocupação de Maria João Rodrigues: “A causa das causas é o emprego.”

E isso é assim aqui, em Santa Cruz, Torres Vedras, Portugal, como um pouco por todo o lado, na Europa onde a social-democracia procura encontrar uma causa unificadora. Tomaz deixa um desejo: “A nossa geração só vencerá em conjunto, como uma geração europeia.”

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