Centro de recuperação de animais selvagens de Santo André em risco de fechar

Instituto de Conservação da Natureza e Florestas informou que vai deixar de pagar a água gasta no centro e a Quercus avisa que não tem como continuar a cuidar dos animais. Devolução de aves à Natureza marcada para este sábado pode ser a última.

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Neste sábado vão ser libertadas perto de uma dezena de aves, incluindo cegonhas brancas Vasco Célio

Neste sábado às 11h, cerca de uma dezena de aves recolhidas e tratadas no Centro de Recuperação de Animais Selvagens de Santo André (CRASSA), no concelho alentejano de Santiago do Cacém, vão voltar a voar em liberdade. Mas esta libertação, uma das quase 30 feitas este ano pelos voluntários do centro gerido pela Quercus, pode ser a última, já que o espaço está em risco de fechar no início de Setembro.

A gestão do CRASSA é assegurada pela associação ambientalista há mais de 20 anos, embora as instalações, na zona do Moinho Novo, pertençam ao Estado. A Quercus tinha celebrado em 2001 um protocolo de colaboração com o antigo Instituto de Conservação da Natureza (ICN, actual Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, ICNF), que em 2006 o denunciou alegando "restrições orçamentais". Durante a vigência do protocolo, o Estado despendeu anualmente cerca de 14 mil euros na manutenção do centro e na alimentação e tratamento dos animais.

O corte dos apoios estatais fez temer o encerramento do centro em 2007, o que acabou por não se concretizar. "Conseguimos um mecenas para assegurar a alimentação dos animais, a Sonae (proprietária do PÚBLICO), e alguns apoios para fazer obras no espaço, passámos o contrato de electricidade para nome da Quercus, mas o contrato da água continou em nome do ICN", diz Dário Cardador, responsável pela gestão do centro. O instituto foi pagando as facturas da água e também continou a enviar animais selvagens para tratamento. Até agora.

No início do mês, o ICNF enviou um ofício para a Quercus avisando que iria deixar de assegurar o pagamento da água e que a associação deveria assumir a titularidade do contrato a partir de 1 de Setembro. Juntamente com o ofício, o instituto enviou a última factura, no valor de 168,87 euros (cerca de 30 euros de água e 130 euros de taxa de resíduos sólidos urbanos). "Rematam a carta dizendo que caso não façamos a alteração, vão cobrar à associação o valor da facturação da água correspondente aos últimos cinco anos", afirma Dário Cardador, garantindo que nada fazia prever esta decisão do ICNF. "Pela forma como nos foi apresentada esta situação, considero que é uma ameaça".

Segundo o dirigente da Quercus, a associação já pediu uma reunião com a presidente do instituto, Paula Sarmento, mas ainda não obteve resposta. O PÚBLICO também questinou o ICNF, sem sucesso. "Queremos acreditar que eles não vão levar aquilo à letra. Se o fizerem, no dia 2 de Setembro terão de mandar um funcionário para buscar a chave e tratar dos animais, porque nós não vamos pedir aos voluntários para carregarem baldes de água nem vamos pagar do nosso bolso", afiança.

Actualmente estão em recuperação no CRASSA 45 animais. O trabalho no centro é feito exclusivamente por voluntários, incluindo os médicos veterinários que dão apoio sempre que é necessário. "O espaço não é nosso mas nós continuamos a tratar dos animais do Estado português, que são de todos nós", sublinha Dário Cardador. A Quercus é responsável por mais dois centros do mesmo género, em Castelo Branco e em Montejunto, cujas despesas são asseguradas por entidades locais.

O ambientalista acredita que será possível chegar a acordo com a tutela e continuar a receber animais no centro de Vila Nova de Santo André. Desde o início do ano até agora, o CRASSA recebeu e recuperou mais de uma centena de aves, que permanecem em média três a quatro meses em tratamento. Uma delas é um falcão-tagarote (Falco subbuteo) que será libertado este sábado, depois de ter sido encontrado há alguns meses, junto a uma estrada, no Parque Natural do Sudoeste e Costa Vicentina com uma lesão na articulação da asa direita, provavelmente causada por colisão com uma viatura. Esta pequena ave de rapina, de tons escuros, cauda longa e asas compridas e pontiagudas, tem estatuto de conservação vulnerável, com menos de 1000 indivíduos registados em Portugal.

Às 11h, o falcão-tagarote e mais uma dezena de outras aves vão regressar aos céus na zona da Reserva Natural das Lagoas de Santo André e da Sancha, uma área protegida próxima do CRASSA. A Quercus vai devolver à natureza mais quatro cegonhas brancas (Ciconia ciconia), um peneireiro-cinzento (Elanus caeruleus) - outra espécie quase ameaçada, também com menos de 1000 indivíduos em Portugal -, uma coruja-do-mato (Strix aluco), entre outras aves.

Antes de serem devolvidas ao seu habitat, os animais são marcados com anilhas metálicas e é efectuado o seu registo biométrico, para permitir a posterior identificação no caso de voltarem a ser capturados.

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