Japão não pode pedir para sempre perdão pela II Guerra, diz Shinzo Abe

Pequim e Seul não ficaram entusiasmados com o discurso em que o primeiro-ministro nipónico assinalou os 70 anos da rendição do Japão na II Guerra Mundial.

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“Deveria ser suficiente herdar o passado, com toda a humildade, e transmiti-lo ao futuro”, disse Abe Toru Hanai/REUTERS

O primeiro-ministro japonês expressou uma profunda mágoa” pelos “danos e sofrimento impossíveis de contabilizar” infligidos pelo seu país a outras nações asiáticas durante a II Guerra, no muito esperado discurso que assinalou os 70 anos da rendição nipónica. Mas, desviando-se do tom usado mais por outros governantes japoneses, sublinhou que o seu país não pode continuar a pedir perdão para sempre. “Não podemos deixar que os nossos filhos, netos e próximas gerações, que não têm nada a ver com aquela guerra, fiquem predestinados a pedir desculpa”, afirmou.

A expectativa era enorme em relação às palavras que Shinzo Abe utilizaria para se referir à acção do Japão na II Guerra Mundial. A China e a Coreia do Sul querem ouvir claros pedidos de desculpa nipónicos pelas invasões, e pelo tratamento infligido aos seus cidadãos durante o período imperialista japonês do início do século XX. Os pedidos de perdão feitos por sucessivos primeiros-ministros desde 1995, quando Tomiichi Murayama fez o primeiro, no 50º aniversário do fim da guerra, não têm bastado para satisfazer Pequim ou Seul.

Mas Abe, um conservador próximo dos nacionalistas japoneses, tem sido acusado de querer reescrever a história, por visitar um santuário onde estão enterrados criminosos de guerra japoneses, e promover a ideia de reescrever os manuais escolares de História. Certo é que gostaria de deixar para trás o grande peso da culpa que a sociedade japonesa herdou.

Enquanto Abe preferia uma mensagem a pensar no futuro, os cidadãos japoneses queriam que o seu primeiro-ministro mostrasse remorsos pela actuação do seu país no passado – 42% dos que responderam a uma sondagem da televisão NHK este mês disseram que o seu discurso devia ter um pedido de desculpas claro. Só 15% achavam que não havia necessidade.

Ele insistiu na visão de futuro. “As gerações pós-guerra são agora mais de 80% da população japonesa”, frisou. “Deveria ser suficiente herdar o passado, com toda a humildade, e transmiti-lo ao futuro”, afirmou o governante, que tem em curso uma iniciativa legislativa para rever a Constituição pacifista do pós-guerra para que forças militares japonesas possam participar activamente em combates, ao lado de aliados como os Estados Unidos.

À espera do imperador
Para a China e a Coreia do Sul, isto não chega. Os dois países tinham tornado claro que desejavam que Abe se mantivesse fiel à expressão de “um profundo remorso” e pedisse “uma sentida desculpa” pela “ocupação e agressão colonial” – ao estilo do que fez Murayama em 1995.

Mas Abe não fez isso, e não tornou o pedido de desculpas pessoal – o que a agência Xinhua notou imediatamente. “Esta desculpa aguada não ajudará muito Tóquio a acabar com o défice de confiança de Tóquio”, ironizou ao comentarista Tian Dongdong. “Não reforça – se é que não arruína – a credibilidade de que o Governo de Abe precisa para pôr as interacções do Japão com os seus vizinhos asiáticos no bom caminho”, criticou o analista da Xinhua.

Seul, por seu lado, anunciou que vai analisar o discurso e pronunciar-se depois – o tema das “mulheres de conforto”, as coreanas obrigadas a prostituírem-se para benefício dos soldados japoneses durante a II Guerra, é o que mais envenena as relações entre os dois países.

Apesar de haver a intenção de se realizar uma cimeira formal entre o primeiro-ministro Shinzo Abe, o Presidente chinês Xi Jinping e a Presidente sul-coreana Park Geun-hye, ainda não há datas marcadas. A melhoria de relações no presente, frisam os líderes de Pequim e Seul, depende de Tóquio assumir uma maior responsabilidade na II Guerra. Essa falta tem contaminado as actuais relações comerciais e de investimento entre estes vizinhos asiáticos – o discurso de Abe poderia ser uma oportunidade para desbloquear as relações.

Talvez o discurso deste sábado do imperador Akihito – no exacto dia em que o seu pai, o imperador Hirohito, anunciou a rendição do Japão, há 70 anos – tenha algumas críticas veladas para o seu primeiro-ministro, centradas no objectivo de revisão da Constituição japonesa.

“O imperador está a dizer a toda agente para se lembrarem da guerra e das pessoas que nela morreram, porque as memórias da guerra estão a desaparecer muito depressa. Acho que vai dizer o máximo que puder”, disse ao Washington Post Yasushi Kuno, um jornalista que há décadas cobre a família real japonesa. Takeshi Hara, um politólogo da Universidade Meiji Gakuin, que escreveu vários livros sobre o sistema imperial, concorda. “O imperador e a imperatriz podem não chegar ao 80º aniversário do fim da guerra. Acho que é possível que o imperador diga algo diferente do habitual como a sua última mensagem, uma espécie de testamento.”

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